Está em tramitação, na Assembleia Legislativa, projeto de lei que pretende obrigar as escolas estaduais a aplicar penalidades como atividades com fins educativos aos alunos indisciplinados, que cometem atos de vandalismo ou violência contra terceiros. As penalidades seriam impostas pelos gestores escolares com a anuência dos pais ou responsáveis e teriam como objetivo a prática de preservação ambiental, a reparação de danos ou a realização de atividades extracurriculares.
Numa primeira análise, o projeto parece ter boa intenção, na
medida em que pretende corrigir comportamentos antissociais e inadequados na
escola por meio de ações educativas. O problema é que as tais ações educativas
propostas se resumiriam à imposição de atividades laborais ou tarefas como
penas ou castigos do tipo: o aluno agrediu verbal ou fisicamente alguém, ou
ainda, depredou o ambiente na sala de aula, no pátio, no muro da escola,
ficaria obrigado a lavar banheiros, limpar a sala de aula, lavar pratos, pintar
paredes ou trocar vidros quebrados, por exemplo.
Não nos deteremos aqui na análise da proposta do ponto de
vista da sua legalidade, embora vários operadores do direito já tenham
manifestado que se trata de uma iniciativa inconstitucional, uma vez que, pela
legislação brasileira, somente o juiz da infância e da juventude é reconhecido
como autoridade para aplicar sanções (Lei n° 8.069/90 – Estatuto da Criança e
do Adolescente – art. 112 e art. 146), não sendo possível delegar esta competência
aos gestores dos estabelecimentos de ensino. Nosso objetivo aqui é o de
discutir o mérito do projeto e as consequências da sua aplicação no ambiente
escolar, levando-se em conta as finalidades da educação.
A problemática da indisciplina e da violência nas instituições de ensino tem
desafiado os gestores escolares e professores. É frequente o registro de casos
graves de depredação dos prédios das escolas, de alunos armados, de tráfico de
drogas, de brigas entre estudantes e ameaças a professores e funcionários. Essa
realidade tem suscitado debates na sociedade sobre como enfrentar o problema e,
lamentavelmente, o que prevalecem são as propostas alicerçadas no senso comum,
que vão pelo caminho mais fácil da repressão e da punição. Há um discurso
falacioso de que punir educa e, de que, quanto mais severas as penas, mais eficazes
são.
Vivemos tempos difíceis, tempos de crise de um modelo
econômico que não consegue dar respostas aos problemas das desigualdades
sociais, decorrentes do processo de acumulação do capital. E essa crise se faz
refletir em todos os aspectos da atividade humana, como, por exemplo, na
decomposição da política, no esvaziamento de conteúdo da educação, na
decadência das produções culturais, no fundamentalismo religioso e
mercantilização da fé. O pensamento lógico, fundamentado, coerente, vai cedendo
espaço cada vez mais ao pensamento conservador, sectário, autoritário. Este é o
terreno fértil para grandes retrocessos no sentido da participação social e da
garantia de direitos.
Neste contexto de crise, as famílias perdem os referenciais
de educação dos seus filhos e transferem esta responsabilidade para a escola,
que, de agência especializada na construção e sistematização do conhecimento,
passa a ser o desaguadouro das consequências de uma sociedade decadente. Grande
parte dos alunos chega às unidades escolares desprovidos de valores e sem
limites no comportamento, desmotivados com uma educação sem sentido e que não
lhes assegura perspectivas de inserção social, prontos a reagir às imposições de
uma sociedade que os exclui. E a reação desses alunos normalmente se dá na
mesma proporção da violência que recebem. Ao invés de geradores de violência,
são vítimas.
Recorrer aos métodos punitivos no ambiente escolar é assunto
polêmico entre educadores, profissionais da psicologia e especialistas na área
dos direitos de crianças e adolescentes. Estudos sobre o assunto demonstram que
a punição não gera responsabilidade, ao contrário, pode produzir medo, revolta,
sentimento revanchista, e é capaz de inibir o comportamento que se quer
corrigir apenas por um tempo e quando se está na presença da autoridade, ainda mais quando a pena imposta não tem qualquer relação com a transgressão como, por exemplo, obrigar o aluno a varrer a sala de aula por ter agredido verbalmente a professora.
Bastaria olharmos para os altos índices de reincidência dos apenados no sistema
prisional ou para a quantidade de multas de trânsito, com valores cada vez mais
elevados, para nos certificarmos dessa realidade. Além do mais, aplicar
penalidades aos alunos pode levá-los a situações vexatórias e constrangedoras,
que em nada contribuiriam para sua formação.
Comportamentos antissociais e violentos não podem ser tolerados na comunidade escolar. Educar exige dos educadores firmeza na cobrança das responsabilidades dos alunos e coerência entre discurso e prática, porém é imprescindível que, antes da cobrança, a escola formule com clareza, com todos que a compõem, as normas que vão reger as relações, para propiciar o melhor ambiente ao desenvolvimento das atividades educacionais. Nenhum problema a que um aluno venha a reparar um dano causado ao espaço físico escolar, desde que tenha tomado parte do estabelecimento da regra e que esteja consciente de que aquela tarefa é uma resposta adequada para o estrago que cometeu. A reparação do dano não pode ser vista como castigo, mas como comportamento que foi combinado previamente e que é esperado de alguém que responde por seus atos.
Comportamentos antissociais e violentos não podem ser tolerados na comunidade escolar. Educar exige dos educadores firmeza na cobrança das responsabilidades dos alunos e coerência entre discurso e prática, porém é imprescindível que, antes da cobrança, a escola formule com clareza, com todos que a compõem, as normas que vão reger as relações, para propiciar o melhor ambiente ao desenvolvimento das atividades educacionais. Nenhum problema a que um aluno venha a reparar um dano causado ao espaço físico escolar, desde que tenha tomado parte do estabelecimento da regra e que esteja consciente de que aquela tarefa é uma resposta adequada para o estrago que cometeu. A reparação do dano não pode ser vista como castigo, mas como comportamento que foi combinado previamente e que é esperado de alguém que responde por seus atos.
O papel da escola, portanto, não é o de punir, que não educa,
mas o de educar, para não precisar punir. Infelizmente, em muitos casos nem
podemos falar em reeducar ou ressocializar, pois estamos tratando de alunos que
nunca foram educados ou que foram mal educados. À escola cabe a tarefa de
estabelecer os limites da convivência social entre os alunos, a partir do
estabelecimento de relações que os levem a refletir e a tomar consciência dos
seus atos, a responder pelo que fazem e a assumir compromissos.
Educadores devem fazer do ambiente escolar um espaço de acolhida e propiciar a construção do regimento da instituição de forma participativa, onde os alunos se sintam integrados ao processo e corresponsáveis por sua execução. As normas da escola, embasadas nos princípios da cidadania e da dignidade da pessoa humana, devem ser conhecidas por todos e consideradas como instrumentos da convivência democrática e respeitosa. Todos devem acreditar na força da educação e que esta exige a paciência do oleiro que molda a argila para fazer surgir o vaso perfeito.
As punições podem levar a resultados imediatos, porém
ilusórios e transitórios. A educação, alicerçada em processos do diálogo e do
respeito mútuo, na internalização de valores e de regras sociais, em relações
fraternas e humanizadoras, é o caminho mais seguro para a formação de pessoas
éticas, autônomas e responsáveis. Com certeza, este não é o caminho mais fácil,
mas, sem dúvida, é aquele que nos poderá levar a uma outra sociedade, mais justa
socialmente e mais humana.