O suicídio entre adolescentes e jovens é
o tema do momento. Nas últimas semanas, o assunto tem gerado muitas discussões
entre educadores, profissionais da saúde, formadores de opinião, em jornais,
semanários, programas de televisão e sites, no Brasil e no mundo. Um jogo chamado
“baleia azul” tem chamado a atenção por estimular comportamentos negativos e
levar, até mesmo, ao suicídio.
Pelo que se sabe até agora, o jogo
consiste numa série de 50 desafios diários, enviados à vítima por um “curador”,
cujo objetivo final é acabar com a própria vida. Os desafios vão desde tarefas
mais simples, como desenhar uma baleia azul numa folha de papel até outras
muito mais mórbidas, como cortar os lábios ou furar a palma da mão diversas vezes.
Em outra tarefa, o participante deve desenhar uma baleia azul no seu antebraço
com uma lâmina. Como desafio final, o jogador deve se matar. As pessoas que são
convidadas a participar do jogo recebem ameaças para o caso de bloquearem os
interlocutores ou ignorarem o convite, dizendo que o chefe vai ficar sabendo e
vai descobrir seus nomes e seus dados.
A preocupação maior agora deve ser a de fazer
desse jogo um motivo forte para nossa reflexão, sobre como estamos lidando com a
educação das crianças, adolescentes e jovens nesse momento histórico de uma
sociedade em decomposição. Eles estão nos dando sinais de sofrimento
psicológico pela falta de atenção, de relações afetuosas, de presença significativa de quem
lhes dá segurança e de uma educação coerente. Estão nos apontando o fracasso de
famílias desorientadas, que estão terceirizando a educação de seus filhos para
a escola, a mídia e as redes sociais, que não dão conta desta tarefa. Estão
sofrendo as consequências da falência de um modelo socioeconômico excludente e
violento na sua essência, que tem feito crescer a desesperança, as relações
superficiais, os discursos incoerentes, a intolerância, a falta de perspectivas
e de projetos de vida, a ausência de utopias, enfim, o vazio existencial.
Pensar
na morte faz parte de nossa constituição psíquica. Isto é normal e não há nada
de errado com quem pensa na finitude de sua existência. Porém, se tem um
tempo onde é mais comum pensar na morte é a adolescência, uma vez que, com o
fim da infância vivenciamos o luto pela perda do corpo de criança, deixamos de
ser objeto do outro (da mãe, do pai, da vovó, do titio), passamos do período da
total dependência de alguém para a conquista do mundo e da nossa independência.
Surgem as preocupações de como vamos nos virar sozinhos, o que vamos fazer para
garantir nossa sobrevivência, que escolhas vamos realizar, já que ninguém mais
vai decidir as coisas por nós. Descobrimos que pertencemos a nós mesmos e que
nossa vida futura vai ser determinada pelas nossas decisões. E se, por um lado,
isso pode ser libertador, por outro, pode representar também um momento de sofrimento,
de conflitos, de perdas, de instabilidade, de insegurança, de angústia. É um
momento de solidão, pois descobrimos que não somos de ninguém, que
não há ninguém por nós. Assim, é comum na adolescência, diante do conflito
liberdade/solidão, uma certa melancolia, que pode evoluir para a depressão, a
depender do ambiente e das relações vividas pelo adolescente. A superação
desses sentimentos vai depender dos motivos que se encontra para viver, dos
projetos a realizar, das causas assumidas, das pessoas significativas, das paixões e dos amores que
surgem na vida.
Vivemos tempos de espetaculares avanços
tecnológicos, que, se facilitaram em muito nossas vidas, tanto no mundo do
trabalho como nas relações que estabelecemos com as pessoas em outras
situações, significaram também novos desafios. O acesso às informações e a
comunicação entre as pessoas se tornaram extremamente facilitados, mas, em
contrapartida, aumentou a superficialidade nos debates, a provisoriedade nas
relações e a constituição de um universo de amigos virtuais, que estão muitos
“próximos” e, ao mesmo tempo, bem distantes. Diminuíram os contatos reais, as
rodas de conversa, as trocas de afetos, de contatos físicos, da vivência das
experiências significativas com aqueles que têm importância para nós. É comum
adolescentes passarem horas trancafiados em seus quartos, completamente
envolvidos no mundo virtual em seus computadores ou celulares. Como poderão
elaborar sua tristeza e encontrar sentido em sua existência, se não encontram
palavras para falar, se não há o encontro com quem falar, se não há o encontro para
ouvir e partilhar sentimentos, angústias, esperanças? É justamente aí que pode entrar o jogo “baleia
azul” e se tornar um perigo, na medida em que alguém fragilizado emocionalmente
pode se submeter aos comandos de um “curador”, que se apresenta como autoridade diante
da falência do encontro, da troca e da palavra.
A sociedade alicerçada nos valores do
consumismo, do individualismo e da competição não resolveram os problemas da
exclusão social e, tampouco, é capaz de seduzir as pessoas, principalmente os
mais jovens, para as causas e os projetos coletivos. A busca da convivência
fraterna, solidária, da preocupação com o outro, do bem-estar para todos foi
substituída pela busca do status, do poder, da juventude eterna, do prazer
imediato. A crise atingiu a educação, esvaziada de conteúdo significativo,
incapaz de levar à compreensão do mundo real, e que se revestiu do tecnicismo como
instrumento de inserção no mercado para promover a ilusória ascensão social. A crise
chegou na religião, que promete o céu na terra, a conquista da prosperidade, a
cura dos males físicos e espirituais e a felicidade, com fortes apelos
emocionais, aos seus adeptos fieis aos seus compromissos financeiros para com a igreja. A
crise chegou nas famílias, que estão sem referenciais para educar e orientar
seus filhos, num mundo sem esperança e perspectivas; famílias de pessoas
distantes e desconhecidas umas das outras, embora vizinhas de quarto. A crise se embrenhou na cultura, na pobreza
literária dos livros de autoajuda, das músicas de conteúdo machista e
preconceituoso, dos programas de televisão que valorizam a beleza e a perfeição físicas com apelo erótico e da
informação manipulada. A crise chegou em todas as atividades da vida social e
põe em cheque a própria organização da sociedade estabelecida.
Pois bem, estamos diante de desafios
maiores do que o de combater, tão somente, o jogo “baleia azul”. A baleia é maior do
que imaginamos. Precisamos resgatar nossa humanidade neste mundo desumanizado.