No último dia 18 de março, estive na cidade de Coronel Sapucaia,
divisa com o Paraguai, para fazer a entrega de uma emenda parlamentar na APAE
do município. O recurso que destinei para a entidade foi investido na
construção de uma piscina, para servir ao atendimento das crianças com deficiência.
No ato da inauguração, estavam presentes membros da diretoria, voluntários e
funcionários da instituição, algumas autoridades municipais, pais e mães dos
alunos com seus filhos especiais. Quando chegou a minha vez de fazer uso da
palavra, percebi que, enquanto falava da realidade das famílias que lutam por
atendimento aos seus filhos com deficiência, um dos pais, que segurava sua
filha no colo, assentia com a cabeça e derramava lágrimas com minhas palavras.
Aquela cena me tocou. Terminadas as falações, enquanto todos conversavam e
aguardavam o descerramento da placa de inauguração, aproximei-me daquele pai e
vi que sua menina, D., tinha hidrocefalia. A criança, de cabeça grande e
olhos já um tanto esbugalhados, se contorcia nos seus braços e tinha uma
expressão de dor. Perguntei como estava o tratamento dela, e ele me disse que
há meses vinha lutando para conseguir a cirurgia para implantação da válvula de
drenagem do líquido que comprimia cada vez mais o cérebro de sua filha. Disse
que, após muitas tentativas de agendamento da cirurgia sem sucesso, tinha
procurado a Defensoria Pública do município e aguardava por alguma providência
que pudesse beneficiar a menina. Pedi a ele que me passasse o nome completo da
D. para que eu pudesse acompanhar o caso. Ao final da confraternização com
as famílias, ao me despedir dos presentes, recebi um envelope que continha a
foto da criança com seu nome completo.
Nunca utilizei do cargo público que exerço para solicitar
privilégios em favor de alguém, influenciar decisões ou reivindicar algo que
contraria a legislação ou os princípios da administração pública. Mas sempre
procurei fazer o possível para que as pessoas tenham seus direitos fundamentais
assegurados, principalmente quando se tratam de pessoas empobrecidas e
vitimadas pelas injustiças e exclusão social. A foto da menina D. sobre a minha
mesa de trabalho olhava para mim a todo momento e comprimia meu cérebro. Ficava
imaginando como ela estaria se contorcendo de dores no colo do pai ou da mãe.
Liguei na Defensoria e fui informado que uma ação judicial tramitava em favor
da criança. Um parêntesis, nossa Defensoria Pública é muito atuante e faz jus à
sua missão de garantir o acesso à justiça aos pobres e despossuídos. Alguns
dias depois, fiquei sabendo que uma liminar havia sido concedida para garantir
a realização da cirurgia que a criança precisava e que a família tanto
aguardava. O receio, porém, era que o Estado interpusesse recurso à decisão
judicial e atrasasse ainda mais o procedimento ou derrubasse a liminar. As
notícias de Coronel Sapucaia chegavam dando conta que a criança sofria e
chorava dia e noite com dores. Liguei para a Procuradoria Geral do Estado e
tentei sensibilizar os procuradores para que não recorressem da decisão. Foi-me
garantido que a liminar seria acatada e que a cirurgia seria realizada, mas que
o Estado tinha o prazo de 60 dias para cumprir a decisão judicial. Um tanto
quanto aliviado com as notícias, fiquei um pouco angustiado com este prazo. Meu
cérebro comprimia. A informação agora era que D. estava internada, cada
vez mais inquieta. Liguei para a Secretaria de Saúde, pedi atenção para o caso,
tentei sensibilizar, tinha decisão judicial, era direito da criança, era uma
urgência, hidrocefalia pode resultar em sequelas irreversíveis, deficiência
mental, convulsões.... Tenho que dizer que o anjo da guarda da D., chamado
Elvis, entrava na minha sala todos os dias, trazia as notícias sobre o seu estado
de saúde, comprimia minha cabeça ainda mais e me lembrava de fazer as ligações para
interceder pela criança. Depois de tudo, só me restava aguardar e torcer para
que os prazos fossem reduzidos.
Nesta sexta-feira santa o Elvis me deu a notícia de que a
cirurgia estava sendo realizada. Foi a celebração da minha Páscoa. O Estado
cumpriu com seu dever. A família da criança garantiu o direito da sua pequena.
Vida nova, alegria pascal para D. e para todos nós! Quero voltar à cidade
de Coronel Sapucaia para conhecer o sorriso daquela menina. Quero vê-la na
piscina da APAE brincando com as demais crianças. Quero olhar para seus pais e
dizer-lhes que o amor deles por sua filha foi maior que a burocracia do Estado
e foi capaz de tocar nosso coração, muitas vezes adormecido diante das
injustiças dessa sociedade desigual e excludente.
Direito não é privilégio! É condição fundamental para se
viver com dignidade. Só de pensar que a fila dos injustiçados está cada vez
mais comprida, a indignação cresce e o desejo de lutar não se cansa, até que
todos sejam vistos e respeitados.
Feliz Páscoa, D.!