Meus irmãos e minhas irmãs em Cristo. Paz e bem!
Nasci num lar católico e herdei minha fé dos meus
amados pais. Fui batizado na Basílica Nacional (antiga) de Aparecida-SP, para
pagar uma promessa que minha mãe fizera à Nossa Senhora Aparecida pelo
nascimento de um filho homem, depois de ter tido quatro filhas. Frequentava
minha paróquia desde criança, a Catedral de São Sebastião de Presidente
Prudente-SP, onde fiz a catequese, a primeira comunhão e a crisma. Aos dez
anos, já era coroinha numa capela da Santa Casa de Misericórdia da cidade, onde
o capelão me confiava as chaves e o ofício de abrir as portas da igreja todos os
dias para receber as pessoas que iam à missa das 17 horas. Sentia-me orgulhoso
e importante por exercer esta função de segunda à sexta-feira. Após as missas,
o padre, que eu estimava muito, um santo homem, alegre e amável, me levava consigo para visitar os doentes internados no hospital. O que mais me impactava era entrar
na ala pediátrica e ver bebês prematuros nas incubadoras e outros recém-nascidos tomando soro
e remédio com agulhas espetadas na cabeça. Isso me marcava muito e, à noite,
quase não dormia lembrando daquelas cenas. Influenciado por amigos da minha
escola, aos treze anos fui estudar no seminário menor da minha cidade, e estava
convicto de que tinha vocação para ser padre, querendo ser como o capelão
bondoso da Santa Casa, que eu tanto admirava.
Concluí o curso secundário e fui transferido para o
seminário maior diocesano de Londrina-PR, onde cursei filosofia e o início da
teologia. Depois de muita reflexão, cheguei à conclusão que não era para mim a
vida sacerdotal. Saí do seminário no final de 1982, mas não deixei de atuar nas
pastorais da Igreja como leigo engajado. Já em Campo Grande, onde minha
família residia, fui atuar numa favela da periferia com os freis capuchinhos, nos
finais de semana. Trabalhei na Paróquia Nossa Senhora de Fátima por 37 anos. Mudei
de bairro e me engajei na Comunidade Imaculado Coração de Maria, no Carandá
Bosque, onde os problemas da minha participação na Igreja começaram, primeiro com
o pároco da Paróquia Sagrado Coração de Jesus, uma vez que o mesmo era um
militante bolsonarista ativo nas redes sociais e fazia vídeo pedindo voto dos
católicos para Bolsonaro nas eleições de 2018. Considerava uma incoerência muito grande e um contratestemunho de um líder cristão esse comportamento, uma vez que o então candidato tinha um histórico de declarações machistas, racistas, homofóbicas, de incitação ao ódio e à violência. Aos poucos, sutil e covardemente, sem qualquer
diálogo comigo, o pároco tratou de me exclui de todas as funções que eu exercia na igreja, chegando até mesmo a
retirar da comunidade os serviços e pastorais para que eu não atuasse mais como
catequista. Depois, com o novo pároco da recém-criada Paróquia do Carandá
Bosque, a situação se tornou insustentável devido a postura autoritária do
sacerdote, que praticamente expulsou toda a coordenação da comunidade, da qual
eu fazia parte, e que havia iniciado os trabalhos desde a fundação da mesma, para
implantar uma paróquia do seu jeito, com pessoas de fora, que fossem submissas
às suas determinações e caprichos.
Confesso que há pelo menos dois anos tenho insistido
em professar minha fé, que recebi dos meus pais e da Igreja, e participar de
alguma comunidade como fiz a vida toda, para servir e colaborar de alguma forma
com a construção do Reino pregado por Jesus Cristo. Mas digo, com profunda
tristeza, que está ficando cada dia mais difícil fazê-lo. Sinto que já não sou mais
aceito e acolhido como antes, quando atuava no ministério da animação
litúrgica, na pastoral do batismo e da crisma, como catequista de adultos, como
coordenador diocesano da Campanha da Fraternidade, membro da pastoral da
juventude, da pastoral social, da coordenação de promoções e eventos para
construção de igreja. Hoje muitos participantes da Igreja não me veem mais como
um simples católico na sua comunidade, mas como um político infiltrado, e pior,
um “esquerdista”.
Em anos passados, meu nome sempre constou em carta
divulgada pelo então arcebispo de Campo Grande, Dom Vitório Pavanello, como um
dos candidatos recomendados aos católicos nas eleições. Hoje sou vetado nos
espaços onde sempre atuei como leigo, nos serviços, movimentos e pastorais
como persona non grata. Já não sou mais confiável. Pergunto-me
sobre o que aconteceu nestes últimos tempos: eu mudei ou foi minha Igreja? Por
isso, sinto a necessidade de compartilhar com vocês as angústias que estou
sentindo, e fico muito à vontade para fazê-lo, porque sempre fui um católico
praticante desde a minha mais tenra idade. E resolvi escrever esta
carta/confissão pública depois do que aconteceu comigo neste último domingo
(02/10), dia das eleições em nosso país.
Acordei logo cedo, com o corpo doendo, cansado e
muito ansioso, depois de 45 dias fazendo campanha eleitoral e de ter percorrido
mais de 40 municípios e muitos bairros de Campo Grande, debatendo propostas e
prestando contas do meu mandato parlamentar. Mas levantei muito animado, com o
coração aquecido pela esperança de dias melhores para nosso povo e pronto para
exercer mais uma vez meu direito e meu dever cívico de votar, com o propósito
de escolher aqueles e aquelas que considero sejam os mais indicados para
conduzirem os destinos do meu estado e do meu país. Antes de me dirigir até a
escola onde está localizada minha sessão eleitoral, fui à Paróquia Sagrado
Coração de Jesus para participar da celebração da missa, como faço todos os
domingos desde que me conheço por gente, para agradecer a Deus pela campanha
linda que fizemos, propositiva, alegre e militante; pelos amigos e amigas que tenho,
pessoas maravilhosas que me acompanham há muito tempo, que me apoiaram e me
ajudaram a levar nossa mensagem a todos os cantos do estado; por aqueles que
encontrei nestas seis semanas de campanha, que me relataram problemas,
reivindicaram, apresentaram propostas. Nada pedi a Deus na missa, nem mesmo
pela minha reeleição, apenas agradeci. Após a comunhão, fiz a oração que sempre
faço e, que aliás, os padres a recitam ao comungarem: “Senhor Jesus Cristo, Filho
do Deus vivo, que cumprindo a vontade do Pai e agindo pelo Espírito Santo, por
vossa morte (e ressurreição) destes vida ao mundo, livrai-me do pecado e de
todo o mal, pelo vosso corpo e pelo vosso sangue, dai-me cumprir sempre a vossa
vontade e jamais separar-me de vós”.
A celebração transcorreu normalmente, até que nos
recados finais o padre se pôs a “orientar” os fiéis para que votassem como
verdadeiros cristãos. O discurso que ele passou a fazer induzia sutilmente os
presentes a votarem no presidente Bolsonaro e nos candidatos da direita e da
extrema-direita, porque reproduzia as acusações que estes costumam fazer à
esquerda e ao presidente Lula, falando de aborto, “ideologia de gênero”, de
casais homoafetivos, de liberação de drogas, etc. Este discurso, a propósito, foi muito utilizado nas eleições passadas e ajudou grandemente a campanha do candidato que ganhou as eleições. Dispensei as “orientações”
sutis do padre, resolvi deixar a igreja e apressei-me para votar. Ao me retirar
do templo, percebi que estava sendo filmado, mas nunca poderia imaginar que alguém
(quem sabe um cristão autêntico, defensor da família, de Deus, da Pátria e da
liberdade) pudesse fazer um vídeo para postar nas redes sociais e nos grupos de
igreja, procurando reprovar meu comportamento e queimar minha imagem como
político e como católico. Algumas horas depois, comecei a receber o vídeo de
amigos e amigas que me conhecem, indignados com a atitude do “irmão”, que não
teve a hombridade de me procurar e me perguntar por que saí da igreja e que usou
desse expediente covarde para me atacar. Eu teria o maior prazer de responder a
ele e ao padre o porquê do meu comportamento. O vídeo viralizou, e as imagens,
divulgadas sem minha autorização, foram acompanhadas de comentários ferindo
minha honra, minha reputação e minhas convicções. Não foi a primeira vez que
católicos fizeram este tipo de coisa tentando prejudicar minha eleição. Mas
sempre segui em frente com minha consciência tranquila como cristão e como
homem público, defendendo meus princípios e minha fé.
Agora tenho que dizer, causa-me indignação a postura
de padres, pastores e leigos que acusam o PT e Lula com essas pautas de
costumes mal formuladas e mentirosas, com discursos moralistas, e que fazem campanha, explícita
ou dissimuladamente, para o presidente da República que elogia torturadores,
que estimula o armamentismo, que é a favor da pena de morte, que acha que as
mulheres trabalhadoras devem receber salários menores porque engravidam, que
propaga o ódio e a violência, que agride pessoas com palavras de baixo calão, que fala que filho gay é falta de porrada, que disse
que não corre o risco de ter uma nora negra porque seus filhos foram bem
educados, que não aceitaria ser operado por um médico cotista, que conheceu um
negro numa comunidade quilombola que pesava sete arrobas e que o erro da
ditadura foi torturar ao invés de matar.
Pergunto a essas lideranças religiosas se é cristão
quem defende tais afirmações? Pergunto se é cristão quem fala “Deus acima de
todos” (usando o nome de Deus em vão) e deu risada das pessoas que morriam de
falta de ar na pandemia, imitando-as na agonia? É atitude de cristão quem foi
contra as medidas sanitárias e atrasou a compra de vacinas para salvar a vida
dos brasileiros, e que colocou em dúvida a eficácia dos imunizantes, deixando
de defender a vida do povo brasileiro com informações corretas e
cientificamente amparadas? É cristão quem autorizou pastores evangélicos a
negociarem com o ministro da Educação o desvio de recursos orçamentários da
pasta para a construção de igrejas e barras de ouro como propina? É cristão
quem decretou sigilo de cem anos sobre documentos que podem esclarecer
denúncias sobre sua família e seu governo? É cristão quem substitui delegados e
agentes da Polícia Federal que investigam denúncias de crimes supostamente
praticados por membros de sua família e por ele próprio? É cristão quem não gosta dos pobres e que disse que estes só servem para votar, com o título de eleitor numa mão e o diploma de burro na outra? É cristão quem discrimina os negros e os indígenas? É cristão quem "deixa a boiada
passar" durante a pandemia para flexibilizar a legislação ambiental, faz um
desmonte nos órgãos de fiscalização e se omite perante as ações criminosas de
destruição do meio ambiente, nossa casa comum? É cristão atacar as
instituições, estimular invasão da Suprema Corte do país e ameaçar romper com a
ordem democrática, inclusive insinuando golpe de Estado com apoio das Forças
Armadas, caso tenha seus interesses contrariados?
Gostaria muito de saber como padres e pastores
bolsonaristas conseguem encontrar fundamento no Evangelho de Jesus Cristo para
apoiar quem prega o ódio, o preconceito, a violência, a tortura, o desprezo
pela vida humana. Não seria melhor admitir que não querem se indispor com os
ricos que doam grandes quantias nos dízimos, doam vacas para os churrascos nas
quermesses e prêmios nos bingos das paróquias? Não querem se indispor com os senhores do Agro, majoritariamente bolsonaristas? Não vejo esses líderes
religiosos manifestarem qualquer preocupação com os pobres nas missas e cultos,
com a volta da fome em nosso país (hoje 33 milhões de brasileiros passam fome),
com a inflação dos alimentos, com a retirada de direitos dos trabalhadores, com
o desmonte nas políticas públicas sociais, com a extensa fila de espera das cirurgias e dos
exames, com a redução do orçamento da Farmácia Popular, com o não reajuste das
verbas da merenda escolar, com o corte de recursos para tratamento de câncer, com
o orçamento 95% a menor para habitação popular. Não vejo padres, bispos e
pastores bolsonaristas indignados com o orçamento secreto que vai retirar 18 bilhões de reais
das políticas públicas para comprar os deputados do Centrão. Nunca vi uma única
vez sequer, em todas as missas que participei, os párocos bolsonaristas a que
me referi acima falar a palavra pobre em suas homilias.
Mas vamos à pauta moral e a outras inverdades
propagadas maldosamente por líderes religiosos, que tanto adoram repetir e
que confundem a população. Fazem coro à indústria de ódio e fake news,
que lota a internet com alegações mentirosas e inventadas sobre Lula e as
igrejas, criando histórias que jamais existiram, fabricam falas em vídeos
editados e tentam criar pânico sem qualquer compromisso com a realidade. Aliás, a principal estratégia da direita e extrema-direita é plantar o medo nas pessoas para vencer e dominar. Lula
nunca defendeu a alteração da legislação brasileira sobre o aborto e já afirmou
com todas as letras que, pessoalmente, é contra a prática. Diferentemente de
Bolsonaro, que em entrevista à revista IstoÉ, em fevereiro de 2000, defendeu o
direito ao aborto e disse “que tem que ser uma decisão do casal”. O que Lula
fez enquanto presidente foi combater a fome, a desnutrição infantil, melhorar
as condições de vida das famílias pobres com o Bolsa Família, investir na
educação, que reduziram a mortalidade infantil e salvaram milhares de crianças neste país. Na verdade, na verdade, digo a vocês, muitos condenam
as mulheres que fazem aborto, mas não condenam os pais que abandonam seus
filhos no ventre das mães sem sequer lhes darem o direito do registro dos seus
nomes na certidão de nascimento das crianças. Muitos condenam o aborto, mas não se interessam com a dignidade das crianças que nascem na miséria e que têm seu futuro comprometido. Não vejo nas paróquias e templos
evangélicos lideranças religiosas preocupadas com a violência doméstica, fruto
do machismo, com os altos índices de feminicídio e de estupros em nosso estado.
Lula nunca defendeu a legalização das drogas. Lula
nunca defendeu o fim da propriedade privada e a estatização dos meios de
produção no Brasil, ou seja, a implantação do comunismo. O que Lula fez e
defende é o combate às desigualdades sociais, o enfrentamento à pobreza, a
distribuição de renda, que todos possam comer três vezes ao dia, educação e
saúde de qualidade para todos, acesso à habitação digna, promovendo o respeito
à diversidade, aos direitos fundamentais das pessoas, o fim dos preconceitos e
discriminações por qualquer motivo, a dignidade aos povos indígenas e aos
trabalhadores rurais, oportunidades de trabalho e salários decentes, formação
em nível superior aos jovens das camadas populares. Defender essas propostas é
ser comunista ou é ser cristão? Se vocês acham que é comunismo, fraternalmente lhes digo, sempre é bom estudar para se livrar da ignorância.
Desculpem a franqueza, mas o ódio que muitos de vocês sentem do
Lula e do PT, para mim, no fundo, é ódio ao que eles representam, ódio dos
pobres, dos excluídos e marginalizados. A elite brasileira é impregnada e
reproduz a cultura escravocrata de 350 anos de escravidão no país, que não
aceita a ascensão social dos negros e dos pobres e não quer trabalhadores com direitos assegurados, mas
quer escravos para produzirem suas riquezas; não aceita que os filhos das
empregadas domésticas sentem nos bancos das universidades e que os pobres
viajem de avião. Para entender melhor esta afirmação, sugiro que vocês leiam o livro A elite do atraso, do sociólogo Jessé Souza. Quantos de vocês, senhores padres, bispos e pastores, se
posicionaram na reforma da Previdência Social, que tornou quase impossível ao
trabalhador se aposentar e, se conseguir, não receberá mais salário integral?
Quantos comentaram a reforma trabalhista, que alterou 117 artigos da CLT,
precarizando os direitos dos trabalhadores? Quantos se incomodaram com a volta
do Brasil ao mapa da fome e se indignaram com nossos irmãos na fila do osso ou
comprando pele de galinha para se alimentar?
A exemplo do Papa Francisco, que muitos chamam de
esquerdista, convido-os a saírem um pouco de suas sacristias e irem às
periferias, como uma “igreja em saída”, para conhecerem a dura realidade dos
pobres, das aldeias indígenas, dos assentamentos, e a voltarem como bons
pastores “com cheiro das ovelhas” nas roupas e no corpo. Aliás, vocês leem os
documentos do Papa? Se sim, vocês seguem suas orientações? O Santo Padre, que
tanto amo e respeito, e que é um profeta nesses tempos sombrios, ensina que a
igreja deve acolher e não condenar, como fez Jesus, e não negar a Palavra de
Deus a ninguém. Disse também, ao conceder entrevista, que os casais
homoafetivos, como filhos de Deus, têm o direito à união civil garantida pelo
Estado para que tenham seus direitos resguardados, e tenham o direito de ter
uma família”. Ou eu estou errado?
Senhores pastores bolsonaristas, vocês afirmam nos púlpitos que
se Lula for eleito vai fechar igrejas evangélicas. Por que vocês mentem dessa
forma? Não se envergonham de tamanha desfaçatez? Por que vocês não dizem aos seus crentes que Lula já governou o Brasil
por 8 anos e nunca fechou nenhum templo e, mais, que foi ele quem sancionou a
Lei da Liberdade Religiosa no Brasil e a Lei que cria o Dia Nacional da Marcha para Jesus? Por que vocês reforçam as fake news que dizem que Lula é
satanista? Como vocês podem manipular a fé daqueles que vão às igrejas atrás de
conforto espiritual? Quantos de vocês usam os púlpitos de seus templos para
promover pastores/candidatos, quase que obrigando seus fiéis a votarem neles.
Senhores padres, bispos e pastores bolsonaristas, vocês sabiam
que o preconceito que vocês alimentam mata pessoas? Segundo o Instituto Sou da
Paz, a população negra, que representa 56% dos 212
milhões de habitantes, é a mais vitimada pela violência e que dos cerca dos 30
mil assassinatos por ano por agressão armada, 78% são contra pessoas negras.
Vocês sabiam que, segundo levantamento realizado com jovens estudantes LGBTQIA+
no Brasil apontou que 73% deles relataram terem sido agredidos verbalmente e
outros 36% fisicamente, e que a intolerância sobre a sexualidade levou 59% a
faltar às aulas, e mais, que estes jovens rejeitados por suas famílias têm 8,4
vezes mais chances de tentarem suicídio? Quem não se lembra do profissional de
saúde, Gustavo Lima, que foi impedido por uma senhora de vacinar sua filha
contra covid no Albano Franco, em Campo Grande, por ser “viado”, segundo a mulher? Gustavo entrou
em depressão profunda e dias depois do ocorrido se suicidou. Após um ano da sua
morte, ainda acompanho a dor de sua mãe pelas redes sociais lamentando a perda do
seu amado filho. É isto que vocês querem com suas pregações moralistas? Abomino
a moral hipócrita de vocês, sabiam?
Senhores, líderes cristãos, vamos conversar sobre o Evangelho de
Jesus Cristo, o pregador itinerante da Galileia, que percorreu vilas e aldeias
pregando o amor, a misericórdia, o perdão, a partilha do pão e a solidariedade
entre as pessoas, que acolhia a todos, confortando seus corações, curando suas
enfermidades e ensinando a amar a Deus em espírito e verdade. Vamos olhar para
nosso Mestre, que condenou os poderes opressores e a transformação do templo em
covil de ladrões e criticou os fariseus pela moral hipócrita que escravizava os
pobres e os saduceus que manipulavam a fé dos mais simples para encher seus
cofres com dinheiro das ofertas. Vamos reconhecer que nosso Senhor não morreu
de idade avançada numa cama, mas que tomou posição ao lado dos excluídos e
contra a opressão e a morte, e que foi feito um preso político, acusado do
crime de sedição, que foi condenado e morto com a pena de morte reservada aos
subversivos. Qual o trecho do Evangelho mais longo que é lido todos os anos na
liturgia das igrejas na sexta-feira santa, se não é o da condenação injusta de
Jesus, entregue pelos sacerdotes do templo para os governadores do Império
Romano? Interessante nesta leitura a trama construída pelos poderosos para
matar o Messias, igual a muitas condenações injustas nos dias atuais para tirar
de cena quem é a favor do povo mais pobre, não é mesmo? Enfim, foi em nome da
moral, dos bons costumes, das interpretações das leis divinas, da manutenção da
ordem e da segurança do sistema político-econômico-religioso que muitos
desejaram e aplaudiram o assassinato do Filho de Deus, que se entregou à morte
por causa das verdades que defendia e em obediência ao seu Pai. Quem sabe os
que fazem arminha com as mãos hoje não matariam novamente Jesus, que acolheu e
perdoou a mulher adúltera, que convivia com samaritanos tidos como hereges, cobradores de impostos corruptos, que
colocava a lei do descanso do sábado em segundo lugar ao promover a vida
curando doentes e alimentando os famintos. Talvez ele seria igualmente
rejeitado por andar com pobres e marginalizados do sistema.
Infelizmente, tenho que dizer que não é novidade ver setores das
igrejas cristãs defendendo regimes autoritários. A Ação Integralista Brasileira
(AIB), criada em 1932 e influenciada pela ascensão do nazi-fascismo europeu,
contou com o apoio e organização da Igreja Católica. O golpe de 1964, que
instituiu a ditadura militar no Brasil, com perseguições, torturas e mortes,
contou com apoio de vários setores da sociedade e, neste contexto, a Igreja
Católica se posicionou a favor do golpe, o que foi reconhecido posteriormente
pela CNBB como um erro histórico. Em 2016, o golpe que retirou do poder a
presidenta Dilma, democraticamente eleita pelo povo e reconhecida hoje pelo seu
vice golpista, Michel Temer, como uma “mulher honestíssima”, contou com amplos
apoios de setores da Igreja, que mobilizaram as pessoas para as passeatas do Fora
Dilma. Após o golpe, o país assistiu a volta ao poder daqueles que sempre governaram para atender os
interesses da elite do dinheiro e pouco se lixam para a classe trabalhadora e
os pobres. E agora, é triste ver líderes religiosos apoiando um governo
incompetente para resolver os graves problemas que afligem a nação, que
aprofunda as desigualdades sociais e que ameaça as instituições democráticas.
Lamentável! Como são incapazes de aprender com a história!
Por fim, gostaria muito de conhecer o irmão que divulgou o vídeo
de minha saída da Paróquia Sagrado Coração de Jesus no final da missa no dia
das eleições. Estou entrando com um requerimento dirigido ao pároco solicitando
as informações sobre quem foi o responsável pela divulgação, para interpela-lo
judicialmente sobre o uso indevido da minha imagem nas redes
sociais e por me ter caluniado e atentado contra minha reputação. Queria muito
saber com que intenções divulgou nos grupos de igreja com falsas acusações.
Para que não reste dúvidas aos meus irmãos cristãos sobre minhas posições, quero reafirmar aqui o que sempre defendi na minha vida: sou
pessoalmente contra o aborto e defendo a vida do nascimento à morte natural;
defendo que as crianças possam nascer e crescer com dignidade, num país com
mais justiça social e fraternidade; que tenham direito à educação de qualidade
e o acesso aos demais direitos de cidadania; que tenham direito à uma família;
que possam morar numa casa decente e possam brincar e sonhar com um futuro de realização
pessoal e profissional. Quanto às minhas posições políticas não as separo das
minhas convicções religiosas. Nunca votei ou votarei no parlamento a favor de qualquer
matéria que as contrarie, por dever de consciência e pela ética que sempre
pautou minhas ações. Sou seguidor de Jesus de Nazaré, que afirmou ter “sido
ungido pelo Espírito para evangelizar os pobres, para proclamar a liberdade aos
cativos, para recuperar a vista aos cegos, para libertar os oprimidos e para
proclamar o ano da graça” (Lc 4,18-19), e que seremos julgados diante das
seguintes afirmações: “Eu tive fome, e vocês me deram de comer; tive sede, e
vocês me deram de beber; fui estrangeiro, e vocês me acolheram; necessitei de
roupas, e vocês me vestiram; estive enfermo, e vocês me visitaram” (Mt
25,35-36). Seguindo os ensinamentos do Mestre, luto “para que todos tenham vida
e a tenham em abundância” (Jo 10,10).
Pedro Cesar Kemp Gonçalves