quarta-feira, 10 de agosto de 2016

NOS JOGOS OLÍMPICOS DE CARTAS MARCADAS, O IMPEACHMENT SE APROXIMA DO PODIUM


A presidenta Dilma Roussef, eleita por mais de 54 milhões de brasileiros nas últimas eleições, passou a ser no processo de impeachment, após a votação no Senado, que aprovou, por 59 votos a 21, o relatório da Comissão Especial que recomenda seu julgamento pelo plenário da Casa. Na última etapa do processo, após o depoimento das testemunhas, os senadores votarão pela condenação ou absolvição da presidenta, em sessão presidida pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, onde serão necessários 54 votos para confirmar o impedimento de Dilma.

Tudo caminha para confirmar o jogo de cartas marcadas.Num processo que não se sustenta na acusação de que a presidenta tenha cometido crime de responsabilidade, fica cada vez mais evidente a motivação política do impeachment, para devolver o poder às velhas oligarquias e articular o fim das investigações da Operação Lava Jato, conforme ficou comprovado nas delações do ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado.  

Iniciado de forma viciada, na Câmara dos Deputados, por meio de uma atitude revanchista do então presidente Eduardo Cunha, que não contou com os votos do PT na Comissão de Ética para barrar o processo de cassação do seu mandato, o impedimento da presidenta significa a mais ardilosa articulação de um golpe que aniquila a democracia brasileira.

Para concretizar o afastamento de Dilma, o vice-presidente montou um verdadeiro balcão de negócios nos bastidores e articulou um ministério para atender os interesses dos parlamentares, distribuindo cargos e vantagens no Governo Federal. Agora, com a caneta na mão, o presidente interino ameaça os senadores, deixando claro que só vai contemplar com cargos e outras benesses aqueles que votarem a favor do golpe.

Em pleno cenário de Olimpíadas, podemos dizer que o jogo em Brasília é bruto, truculento, sem o mínimo de ética. Os jogadores jogam, mesmo com comprovado uso de doping, ou seja, delatados nos esquemas de corrupção. Enquanto no Senado a farsa caminha para o lance final, com a cantilena das pedaladas fiscais repetida à exaustão pelos golpistas, o governo ilegítimo da direita conservadora volta com muita sede ao pote, para impor o estado ultraneoliberal. Sem aguardar a consolidação do impeachment, articula, desde já, a aprovação de projetos que vão comprometer a oferta dos serviços públicos, reduzindo investimentos em áreas essenciais como saúde e ducação; do projeto da terceirização; da reforma da Previdência; de mudanças na legislação trabalhista, para privilegiar as convenções coletivas; das privatizações; de venda do Pré-Sal; de venda de terras para estrangeiros. Medalha de ouro para o retrocesso.

O que mais me preocupa é que grande parte da sociedade brasileira continua assistindo tudo das arquibancadas da Globo e Cia Ltda, e não se deu conta ainda do que está em curso no País. Quanto aos trabalhadores, se não reagirem a tempo, por meio de suas organizações de classe e dos movimentos sociais, sofrerão perdas de conquistas históricas, numa conjuntura de crise e ameaças de desemprego. Amanhã ou depois, poderá ser tarde demais para barrar tamanho ataque aos direitos e avanços sociais.

A luta tem que continuar. Não podemos abandonar a arena antes de o jogo terminar. Em se confirmando o afastamento definitivo da presidenta Dilma, no Senado, é preciso acionar o Supremo Tribunal Federal, apesar de o mesmo estar, em parte, comprometido com o golpe, e denunciar os vícios do processo, já que, no presidencialismo, não cabe o afastamento do mandatário da nação por razões políticas ou por perda de sustentação na base parlamentar, mas apenas por comprovado cometimento de crime de responsabilidade. É preciso, ainda, denunciar o golpe nos organismos internacionais, como a Comissão de Direitos Humanos da OEA, bem como levar ao conhecimento dos países com tradição democrática.

A articulação parlamentar-jurídico-midiática quer, não só interromper o governo legítimo da presidenta Dilma, mas também condenar o ex-presidente Lula, para inviabilizá-lo como candidato nas próximas eleições, e cancelar o registro do Partido dos Trabalhadores no TSE, enterrando de vez um projeto político popular no Brasil. Enquanto isso, o Palácio do Planalto e a Câmara preparam um plano para salvar Eduardo Cunha, que teria dito a um delator que sustenta financeiramente 200 deputados.

As medalhas de ouro estão ficando só para os golpistas. Ou reagimos agora com força ou ficamos sem medalha alguma quando a pira olímpica se apagar.

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

10 ANOS DA LEI MARIA DA PENHA



A Lei de proteção à mulher vítima da violência doméstica, a qual recebeu o nome da farmacêutica brasileira Maria da Penha, que lutou para que o ex-marido fosse punido, depois de seguidas agressões que a deixaram paraplégica, completou dez anos no último dia 07 de agosto. Sem dúvida, representou uma grande conquista em nosso país, fruto da evolução social e histórica dos direitos das mulheres, que precisa se tornar mais conhecida e ser aplicada com efetividade, a fim de contribuir para a redução dos elevadíssimos índices de mulheres que são vítimas das mais variadas formas de agressões a sua integridade física e psicológica. 

Não tem sido fácil o enfrentamento à violência contra as mulheres, uma vez que esta não é fruto de um comportamento masculino determinado por sua natureza biológica, mas, resultado de uma construção histórico-social que resultou no que chamamos de uma cultura machista, onde os homens assumiram atitudes de superioridade e posições de poder em relação às mulheres. Posturas sexistas dos homens foram ensinadas e transmitidas de pais para filhos, de geração em geração, e relegaram a condição feminina ao espaço doméstico e numa situação de subalternidade. Alterar essa realidade requer, além de punir atos criminosos contra as mulheres, mudança de mentalidade, internalização de novos valores, superação de preconceitos e a construção social da perspectiva da igualdade material de gênero.

Dados divulgados pela Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, a partir das denúncias recebidas pelo Ligue 180, revelaram que, entre janeiro e outubro do ano passado de 2015, foram mais de 63 mil casos de violência contra a mulher, número equivalente a um relato a cada 7 minutos. Uma verdadeira epidemia, uma realidade que reclama a mobilização da sociedade e a articulação de uma rede de proteção e defesa das mulheres vitimizadas, além da implementação de ações preventivas.  

Embora as estatísticas possam traçar o perfil da mulher agredida, revelando uma maioria negra, de baixa renda e pouca escolaridade, é importante ressaltar que a violência vitimiza mulheres de todas as idades, etnias, graus de instrução e condição socioeconômica, sendo, portanto, uma questão de gênero. Muitas vezes, os casos referentes às pessoas de classes mais altas não chegam a entrar nas estatísticas, pois ficam restritos aos escritórios e clínicas particulares, não sendo registrados em delegacias e hospitais. Estas são áreas mais frequentadas pelas pessoas de baixa renda. Outros tantos casos não são denunciados pelas mulheres por medo das ameaças que sofrem ou por falta de conhecimento dos seus direitos.

Não é uma tarefa simples para a mulher vítima de violência denunciar seu agressor. Os principais complicadores são que, na maioria dos casos, a agressão ocorre no ambiente doméstico e no contexto da relação de um casal, onde o agressor é seu companheiro. A situação pode envolver vínculo afetivo, presença de filhos, dependência econômica, o que leva a mulher, muitas vezes, a se submeter à opressão e a silenciar. É aqui que está a importância da Lei Maria da Penha, como um dos principais instrumentos de empoderamento das mulheres na luta contra a violência que sofrem.

A Lei 11.340/2006 veio corrigir um grave problema da justiça brasileira, que acabava sendo conivente com crimes de violência doméstica, por falta de instrumentos legais que possibilitassem a apuração mais rápida e a punição desses crimes, além da proteção imediata das vítimas. Antes do advento da Lei, os casos de violência doméstica eram levados aos juizados especiais criminais, responsáveis pelo julgamento de crimes considerados de menor potencial ofensivo e, quando não eram arquivados, resultavam na condenação do agressor a pagar uma multa ou a doar cestas básicas, por exemplo. Não havia previsão de decretação de prisão preventiva ou flagrante do agressor.

Hoje, as denúncias de violência doméstica contra a mulher são levadas aos juizados especializados, onde os juízes podem decretar a prisão do agressor, ou, de acordo com os riscos que a mulher corre: determinar o afastamento do suspeito da casa da vítima e proibir seu contato com a mesma e seus familiares; estabelecer a inclusão de mulheres dependentes economicamente de seus agressores em programas de assistência governamentais, além de obrigar o agressor ao pagamento de pensão à vítima.

Assim, nota-se que a Lei Maria da Penha representou uma importante conquista das mulheres contra a violência e a impunidade. Passou a ser um ponto de partida para novas leis, como a lei do feminicídio, por exemplo, e novas políticas públicas voltadas à ampliação dos direitos e do empoderamento das mulheres na sociedade brasileira.  Porém, a lei por si só não transforma a realidade. Para que produza os efeitos, para a qual foi elaborada, deve ser de domínio de todas as mulheres, e necessita do suporte de uma rede de atendimento e proteção às mulheres vítimas de violência, qual seja, delegacias especializadas da mulher em regime de 24 horas de atendimento, nos finais de semana, inclusive; promotorias e defensorias públicas da mulher; juizados especializados; casas de acolhimento; e centros de atendimento públicos às mulheres.

Essa conquista não admite retrocessos. Hoje, tramitam no Congresso Nacional mais de 60 projetos de alteração da Lei Maria da Penha, alguns deles extremamente prejudiciais ao enfrentamento da violência doméstica contra as mulheres, como o que atribui à autoridade policial a concessão de medidas protetivas de urgência ou o que propõe a substituição da palavra gênero por sexo feminino. É imprescindível o combate à violência, produzida pela cultura machista, que naturaliza a opressão e a violação da dignidade das mulheres.

Lei Maria da Penha: ferramenta de luta contra a violência doméstica; meio de garantia de proteção e defesa; instrumento de resgate da cidadania das mulheres; símbolo da luta pela igualdade de gênero. Nenhum passo a trás. Nenhum direito a menos para as mulheres.