A Lei de proteção à mulher vítima da violência doméstica, a qual recebeu o nome da farmacêutica brasileira Maria da Penha, que lutou para que o ex-marido fosse punido, depois de seguidas agressões que a deixaram paraplégica, completou dez anos no último dia 07 de agosto. Sem dúvida, representou uma grande conquista em nosso país, fruto da evolução social e histórica dos direitos das mulheres, que precisa se tornar mais conhecida e ser aplicada com efetividade, a fim de contribuir para a redução dos elevadíssimos índices de mulheres que são vítimas das mais variadas formas de agressões a sua integridade física e psicológica.
Não tem sido fácil o enfrentamento à violência contra
as mulheres, uma vez que esta não é fruto de um comportamento masculino
determinado por sua natureza biológica, mas, resultado de uma construção
histórico-social que resultou no que chamamos de uma cultura machista, onde os
homens assumiram atitudes de superioridade e posições de poder em relação às
mulheres. Posturas sexistas dos homens foram ensinadas e transmitidas de pais
para filhos, de geração em geração, e relegaram a condição feminina ao espaço
doméstico e numa situação de subalternidade. Alterar essa realidade requer,
além de punir atos criminosos contra as mulheres, mudança de mentalidade, internalização
de novos valores, superação de preconceitos e a construção social da
perspectiva da igualdade material de gênero.
Dados divulgados pela Secretaria de Políticas para as
Mulheres da Presidência da República, a partir das denúncias recebidas pelo
Ligue 180, revelaram que, entre janeiro e outubro do ano passado de 2015, foram
mais de 63 mil casos de violência contra a mulher, número equivalente a um
relato a cada 7 minutos. Uma verdadeira epidemia, uma realidade que reclama a
mobilização da sociedade e a articulação de uma rede de proteção e defesa das
mulheres vitimizadas, além da implementação de ações preventivas.
Embora as estatísticas possam traçar o perfil da
mulher agredida, revelando uma maioria negra, de baixa renda e pouca
escolaridade, é importante ressaltar que a violência vitimiza mulheres de todas
as idades, etnias, graus de instrução e condição socioeconômica, sendo,
portanto, uma questão de gênero. Muitas vezes, os casos referentes às pessoas de
classes mais altas não chegam a entrar nas estatísticas, pois ficam restritos
aos escritórios e clínicas particulares, não sendo registrados em delegacias e
hospitais. Estas são áreas mais frequentadas pelas pessoas de baixa renda.
Outros tantos casos não são denunciados pelas mulheres por medo das ameaças que
sofrem ou por falta de conhecimento dos seus direitos.
Não é uma tarefa simples para a mulher vítima de
violência denunciar seu agressor. Os principais complicadores são que, na
maioria dos casos, a agressão ocorre no ambiente doméstico e no contexto da
relação de um casal, onde o agressor é seu companheiro. A situação pode envolver
vínculo afetivo, presença de filhos, dependência econômica, o que leva a
mulher, muitas vezes, a se submeter à opressão e a silenciar. É aqui que está a
importância da Lei Maria da Penha, como um dos principais instrumentos de
empoderamento das mulheres na luta contra a violência que sofrem.
A Lei
11.340/2006 veio corrigir um grave problema da justiça brasileira, que acabava
sendo conivente com crimes de violência doméstica, por falta de instrumentos
legais que possibilitassem a apuração mais rápida e a punição desses crimes,
além da proteção imediata das vítimas. Antes do advento da Lei, os casos de
violência doméstica eram levados aos juizados especiais criminais, responsáveis
pelo julgamento de crimes considerados de menor potencial ofensivo e, quando
não eram arquivados, resultavam na condenação do agressor a pagar uma multa ou a
doar cestas básicas, por exemplo. Não havia previsão de decretação de prisão
preventiva ou flagrante do agressor.
Hoje, as
denúncias de violência doméstica contra a mulher são levadas aos juizados
especializados, onde os juízes podem decretar a prisão do agressor, ou, de
acordo com os riscos que a mulher corre: determinar o afastamento do suspeito
da casa da vítima e proibir seu contato com a mesma e seus familiares;
estabelecer a inclusão de mulheres dependentes economicamente de seus
agressores em programas de assistência governamentais, além de obrigar o agressor
ao pagamento de pensão à vítima.
Assim,
nota-se que a Lei Maria da Penha representou uma importante conquista das
mulheres contra a violência e a impunidade. Passou a ser um ponto de partida
para novas leis, como a lei do feminicídio, por exemplo, e novas políticas
públicas voltadas à ampliação dos direitos e do empoderamento das mulheres na
sociedade brasileira. Porém, a lei por
si só não transforma a realidade. Para que produza os efeitos, para a qual foi elaborada,
deve ser de domínio de todas as mulheres, e necessita do suporte de uma rede de
atendimento e proteção às mulheres vítimas de violência, qual seja, delegacias
especializadas da mulher em regime de 24 horas de atendimento, nos finais de
semana, inclusive; promotorias e defensorias públicas da mulher; juizados
especializados; casas de acolhimento; e centros de atendimento públicos às
mulheres.
Essa
conquista não admite retrocessos. Hoje, tramitam no Congresso Nacional mais de
60 projetos de alteração da Lei Maria da Penha, alguns deles extremamente prejudiciais
ao enfrentamento da violência doméstica contra as mulheres, como o que atribui
à autoridade policial a concessão de medidas protetivas de urgência ou o que
propõe a substituição da palavra gênero por sexo feminino. É imprescindível o
combate à violência, produzida pela cultura machista, que naturaliza a opressão
e a violação da dignidade das mulheres.
Lei Maria
da Penha: ferramenta de luta contra a violência doméstica; meio de garantia de
proteção e defesa; instrumento de resgate da cidadania das mulheres; símbolo da
luta pela igualdade de gênero. Nenhum passo a trás. Nenhum direito a menos para
as mulheres.
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