Nesta semana, recebi de um amigo um áudio gravado por uma pessoa que desconheço, que está circulando em grupos de servidores públicos no whatsapp, dizendo que eu estaria contra o reajuste salarial do funcionalismo estadual proposto pelo governo e, que até, pediria vistas do projeto para atrasar a votação e impedir que o mesmo fosse aprovado ainda neste ano. Quem me conhece sabe da minha história em defesa dos trabalhadores do setor público e privado, o quanto já enfrentei embates com os governos, inclusive do meu partido, para cobrar a valorização das categorias de servidores, e quantas vezes intermediei negociações salariais na Assembleia Legislativa. Por isso, não posso acreditar que a pessoa que gravou o áudio e o divulgou para um público específico, interessado no assunto, seja alguém mal informado. Ao contrário, trata-se de mais um produtor de fake news, com claros objetivos de prejudicar minha imagem e a do meu partido junto aos servidores. Esta é uma prática que, além de repugnante e antiética é, também, criminosa.
A disseminação de
notícias falsas no campo da política não é novidade. Na história do Partido dos
Trabalhadores, então, não foram poucas as vezes em que se procurou vincular a
imagem do partido à desordem, por apoiar greves; ao comunismo, por defender
políticas de inclusão social; e a atentar contra a propriedade privada, por
defender a reforma agrária e a demarcação de terras indígenas. Lideranças do
partido foram criminalizadas e atacadas com mentiras divulgadas
sistematicamente. Quem não se lembra das notícias propagadas nas eleições de
2014, de que a então candidata Dilma Roussef aprovaria a descriminalização do
aborto, caso fosse eleita? E as histórias do Kit-gay? Lembram quando afirmavam
que o Lulinha, filho do ex-presidente Lula, era proprietário da JBS? Só para
ficar em alguns exemplos. Esta prática foi aprimorada e profissionalizada com o
surgimento das redes sociais, enquanto instrumento de uma verdadeira guerra
eleitoral no mundo virtual.
A expressão fake
news passou a ser conhecida e amplamente utilizada em nosso
vocabulário a partir de 2016, nas eleições americanas que elegeram Donald
Trump, em razão da divulgação em massa nas redes sociais de muitas mentiras
pelos apoiadores de sua campanha. Aqui no Brasil, a mesma estratégia eleitoral
passou a ser utilizada nas eleições de 2018, contribuindo com a vitória nas
urnas do então candidato, simpatizante de Trump, Jair Bolsonaro. E, para
alimentar a rede de disseminação das notícias falsas, muito dinheiro foi
investido na contratação de profissionais e na montagem da rede de
multiplicadores das mensagens. E a prática continua de vento em popa, para
tentar manter a base de sustentação do presidente na sociedade e criar os
factoides, que têm por objetivo desviar a atenção da população dos problemas
que seu governo não consegue resolver.
Desta forma, o que já temos clareza
hoje é que, não se tratam apenas de simples notícias falsas que são divulgadas
por profissionais da comunicação. São conteúdos muito bem pensados e
divulgados, com status de verdades, para alimentar uma rede de apoiadores, que
não têm o cuidado e a prática de checar a veracidade das informações que
recebem, e passam a fazer o trabalho voluntário de reproduzir os conteúdos em
seus grupos e contatos nas redes sociais. Ao receitar cloroquina para
tratamento da covid, incentivar aglomerações de pessoas sem a proteção das
máscaras e colocar em dúvida a eficácia das vacinas, por exemplo, o presidente da
República planejou uma situação para se alcançar a chamada imunidade de rebanho
no país, e não prejudicar o andamento das atividades econômicas, mesmo que tal
objetivo custasse a vida de centenas de milhares de brasileiros. Trata-se de
uma estratégia com objetivos políticos bem definidos, que forma uma base de
apoio manipulada e pronta a fazer a defesa, muitas vezes de maneira cega e
irracional, das ideias do seu líder maior.
Foi assim que passamos a viver uma era
de desinformação, de discussões rasas e apaixonadas, com argumentos mais na
esfera da crença do que da ciência. Hoje está muito difícil debater com
determinadas pessoas que navegam nas redes das fake news e que vêm o presidente
da República como o homem de bem, apoiado em princípios cristãos, defensor da
família tradicional e libertador da nação do perigo do comunismo. Bastou fazer
um discurso como representante de valores morais e utilizar o slogan “Deus
acima de todos” para conquistar amplo apoio entre evangélicos pentecostais e
católicos tradicionalistas. E além de manipular o sentimento religioso nas
pessoas, ele sabe muito bem direcionar a atenção da sociedade para falsos
problemas e situações fabricadas, como o tratamento precoce contra covid, a
polêmica do voto impresso, o possível golpe de estado no dia 7 de setembro, o
STF que não o deixa governar, fazendo com que os problemas reais do país -
inflação, desemprego, fome, miséria -, fiquem em segundo plano nas discussões.
O show de mentiras e afirmações imprecisas do presidente já se tornou sua marca
principal e se tornou conhecida até mesmo no cenário internacional. Sua
participação na abertura da Assembleia Geral da ONU foi um verdadeiro fiasco, que
tão somente acenou para sua base eleitoral no Brasil, tentando passar a ideia
de um governo bem-sucedido, exitoso na política econômica e ambiental e de
enfrentamento à pandemia. Teve a audácia de defender, diante das delegações do
mundo todo, o uso de medicamentos sem eficácia para a Covid-19, mostrando-se
ainda favorável ao ‘tratamento precoce’ e contra medidas sanitárias
mundialmente reconhecidas, como o lockdown, uso de máscaras e distanciamento social.
Disse que não há corrupção em seu governo, mesmo com as revelações da CPI do
Senado de esquema de compra de vacinas com preços superfaturados e pagamento de
propinas; afirmou que o BNDES financiava obras em países comunistas sem
garantias; que a legislação ambiental brasileira é a mais completa do mundo;
que foram criados 1,8 milhão de novos empregos neste ano; que as manifestações
de apoio ao seu governo em 7 de setembro foram as maiores da história do país.
E, como não poderia deixar de fazer para completar sua peculiar oração,
reafirmou os valores cristãos, defendeu a família tradicional e disse ter
afastado o Brasil do socialismo.
É importante dizer que Bolsonaro não
quis passar uma mensagem para o mundo. Os países conhecem muito bem a real
situação que estamos vivendo em terras tupiniquins. Sabem da nossa crise
econômica, do aumento da inflação, dos 14 milhões de desempregados, da volta do
país ao Mapa da Fome, dos retrocessos na área ambiental e da desastrosa
política de enfrentamento à pandemia, que já ceifou a vida de mais de 610 mil
pessoas. O presidente brasileiro ocupou a tribuna da Organização das Nações
Unidas para se dirigir aos seus apoiadores brasileiros e reforçar sua
pré-campanha à reeleição em 2022. Quis, tão somente, reafirmar-se como homem de
coragem para dizer o que disse perante o mundo, sendo o “mito” que seus
eleitores conheceram em 2018 e que não abre mão de defender o que mais lhe
importa, ou seja, ele mesmo.
Desta forma, temos entre nós um
exemplo perfeito de como ganhar eleições e governar utilizando-se de fake news, como a arte de dizer mentiras
com aparência de verdade, para formar a opinião de uma multidão de seguidores
que se tornam defensores de seu projeto de poder. Por trás da pauta dos
costumes, de defesa da família tradicional, dos valores cristãos e da moral,
está a política neoliberal, que aprofunda as desigualdades sociais, privatiza e
promove o desmonte do Estado e ataca as políticas públicas sociais. Os pobres e
a classe média remediada passam a apoiar seu discurso, com medo da “ameaça
comunista”, mesmo sem saber explicar o que seria tal ameaça.
Fake News é isto: instrumento
bem planejado de manipulação das massas! Representam não só um ataque ao
direito das pessoas de acesso às informações verdadeiras, mas comprometem a
própria democracia, conquanto deturpam o debate de projetos e propostas e
impedem a escolha consciente do que consideram ser melhor para o futuro do
país. Faz mal à saúde, à educação, ao meio ambiente, enfim, à construção de um
projeto de Brasil mais justo e solidário. Às pessoas de bom senso e
comprometidas com a democracia cabe a responsabilidade de atuarem no sentido de
se restabelecer neste país o debate sério sobre os reais problemas que
preocupam a maioria do nosso povo, na perspectiva da busca de soluções a curto,
médio e longo prazo. Somos uma grande nação e temos um povo valoroso. Precisamos
de dirigentes sérios e responsáveis para dirigir nossos destinos.