domingo, 21 de novembro de 2021

DEMOCRACIA SEM FAKE NEWS

 


Nesta semana, recebi de um amigo um áudio gravado por uma pessoa que desconheço, que está circulando em grupos de servidores públicos no whatsapp, dizendo que eu estaria contra o reajuste salarial do funcionalismo estadual proposto pelo governo e, que até, pediria vistas do projeto para atrasar a votação e impedir que o mesmo fosse aprovado ainda neste ano. Quem me conhece sabe da minha história em defesa dos trabalhadores do setor público e privado, o quanto já enfrentei embates com os governos, inclusive do meu partido, para cobrar a valorização das categorias de servidores, e quantas vezes intermediei negociações salariais na Assembleia Legislativa. Por isso, não posso acreditar que a pessoa que gravou o áudio e o divulgou para um público específico, interessado no assunto, seja alguém mal informado. Ao contrário, trata-se de mais um produtor de fake news, com claros objetivos de prejudicar minha imagem e a do meu partido junto aos servidores. Esta é uma prática que, além de repugnante e antiética é, também, criminosa.

A disseminação de notícias falsas no campo da política não é novidade. Na história do Partido dos Trabalhadores, então, não foram poucas as vezes em que se procurou vincular a imagem do partido à desordem, por apoiar greves; ao comunismo, por defender políticas de inclusão social; e a atentar contra a propriedade privada, por defender a reforma agrária e a demarcação de terras indígenas. Lideranças do partido foram criminalizadas e atacadas com mentiras divulgadas sistematicamente. Quem não se lembra das notícias propagadas nas eleições de 2014, de que a então candidata Dilma Roussef aprovaria a descriminalização do aborto, caso fosse eleita? E as histórias do Kit-gay? Lembram quando afirmavam que o Lulinha, filho do ex-presidente Lula, era proprietário da JBS? Só para ficar em alguns exemplos. Esta prática foi aprimorada e profissionalizada com o surgimento das redes sociais, enquanto instrumento de uma verdadeira guerra eleitoral no mundo virtual.

A expressão fake news passou a ser conhecida e amplamente utilizada em nosso vocabulário a partir de 2016, nas eleições americanas que elegeram Donald Trump, em razão da divulgação em massa nas redes sociais de muitas mentiras pelos apoiadores de sua campanha. Aqui no Brasil, a mesma estratégia eleitoral passou a ser utilizada nas eleições de 2018, contribuindo com a vitória nas urnas do então candidato, simpatizante de Trump, Jair Bolsonaro. E, para alimentar a rede de disseminação das notícias falsas, muito dinheiro foi investido na contratação de profissionais e na montagem da rede de multiplicadores das mensagens. E a prática continua de vento em popa, para tentar manter a base de sustentação do presidente na sociedade e criar os factoides, que têm por objetivo desviar a atenção da população dos problemas que seu governo não consegue resolver.

Desta forma, o que já temos clareza hoje é que, não se tratam apenas de simples notícias falsas que são divulgadas por profissionais da comunicação. São conteúdos muito bem pensados e divulgados, com status de verdades, para alimentar uma rede de apoiadores, que não têm o cuidado e a prática de checar a veracidade das informações que recebem, e passam a fazer o trabalho voluntário de reproduzir os conteúdos em seus grupos e contatos nas redes sociais. Ao receitar cloroquina para tratamento da covid, incentivar aglomerações de pessoas sem a proteção das máscaras e colocar em dúvida a eficácia das vacinas, por exemplo, o presidente da República planejou uma situação para se alcançar a chamada imunidade de rebanho no país, e não prejudicar o andamento das atividades econômicas, mesmo que tal objetivo custasse a vida de centenas de milhares de brasileiros. Trata-se de uma estratégia com objetivos políticos bem definidos, que forma uma base de apoio manipulada e pronta a fazer a defesa, muitas vezes de maneira cega e irracional, das ideias do seu líder maior.

Foi assim que passamos a viver uma era de desinformação, de discussões rasas e apaixonadas, com argumentos mais na esfera da crença do que da ciência. Hoje está muito difícil debater com determinadas pessoas que navegam nas redes das fake news e que vêm o presidente da República como o homem de bem, apoiado em princípios cristãos, defensor da família tradicional e libertador da nação do perigo do comunismo. Bastou fazer um discurso como representante de valores morais e utilizar o slogan “Deus acima de todos” para conquistar amplo apoio entre evangélicos pentecostais e católicos tradicionalistas. E além de manipular o sentimento religioso nas pessoas, ele sabe muito bem direcionar a atenção da sociedade para falsos problemas e situações fabricadas, como o tratamento precoce contra covid, a polêmica do voto impresso, o possível golpe de estado no dia 7 de setembro, o STF que não o deixa governar, fazendo com que os problemas reais do país - inflação, desemprego, fome, miséria -, fiquem em segundo plano nas discussões.   

O show de mentiras e afirmações imprecisas do presidente já se tornou sua marca principal e se tornou conhecida até mesmo no cenário internacional. Sua participação na abertura da Assembleia Geral da ONU foi um verdadeiro fiasco, que tão somente acenou para sua base eleitoral no Brasil, tentando passar a ideia de um governo bem-sucedido, exitoso na política econômica e ambiental e de enfrentamento à pandemia. Teve a audácia de defender, diante das delegações do mundo todo, o uso de medicamentos sem eficácia para a Covid-19, mostrando-se ainda favorável ao ‘tratamento precoce’ e contra medidas sanitárias mundialmente reconhecidas, como o lockdown, uso de máscaras e distanciamento social. Disse que não há corrupção em seu governo, mesmo com as revelações da CPI do Senado de esquema de compra de vacinas com preços superfaturados e pagamento de propinas; afirmou que o BNDES financiava obras em países comunistas sem garantias; que a legislação ambiental brasileira é a mais completa do mundo; que foram criados 1,8 milhão de novos empregos neste ano; que as manifestações de apoio ao seu governo em 7 de setembro foram as maiores da história do país. E, como não poderia deixar de fazer para completar sua peculiar oração, reafirmou os valores cristãos, defendeu a família tradicional e disse ter afastado o Brasil do socialismo.

É importante dizer que Bolsonaro não quis passar uma mensagem para o mundo. Os países conhecem muito bem a real situação que estamos vivendo em terras tupiniquins. Sabem da nossa crise econômica, do aumento da inflação, dos 14 milhões de desempregados, da volta do país ao Mapa da Fome, dos retrocessos na área ambiental e da desastrosa política de enfrentamento à pandemia, que já ceifou a vida de mais de 610 mil pessoas. O presidente brasileiro ocupou a tribuna da Organização das Nações Unidas para se dirigir aos seus apoiadores brasileiros e reforçar sua pré-campanha à reeleição em 2022. Quis, tão somente, reafirmar-se como homem de coragem para dizer o que disse perante o mundo, sendo o “mito” que seus eleitores conheceram em 2018 e que não abre mão de defender o que mais lhe importa, ou seja, ele mesmo. 

Desta forma, temos entre nós um exemplo perfeito de como ganhar eleições e governar utilizando-se de fake news, como a arte de dizer mentiras com aparência de verdade, para formar a opinião de uma multidão de seguidores que se tornam defensores de seu projeto de poder. Por trás da pauta dos costumes, de defesa da família tradicional, dos valores cristãos e da moral, está a política neoliberal, que aprofunda as desigualdades sociais, privatiza e promove o desmonte do Estado e ataca as políticas públicas sociais. Os pobres e a classe média remediada passam a apoiar seu discurso, com medo da “ameaça comunista”, mesmo sem saber explicar o que seria tal ameaça.

Fake News é isto: instrumento bem planejado de manipulação das massas! Representam não só um ataque ao direito das pessoas de acesso às informações verdadeiras, mas comprometem a própria democracia, conquanto deturpam o debate de projetos e propostas e impedem a escolha consciente do que consideram ser melhor para o futuro do país. Faz mal à saúde, à educação, ao meio ambiente, enfim, à construção de um projeto de Brasil mais justo e solidário. Às pessoas de bom senso e comprometidas com a democracia cabe a responsabilidade de atuarem no sentido de se restabelecer neste país o debate sério sobre os reais problemas que preocupam a maioria do nosso povo, na perspectiva da busca de soluções a curto, médio e longo prazo. Somos uma grande nação e temos um povo valoroso. Precisamos de dirigentes sérios e responsáveis para dirigir nossos destinos.

 

terça-feira, 16 de novembro de 2021

Enem com a cara do Governo

 


Faltando pouco mais de uma semana para a realização do Exame Nacional do Ensino Médio, 37 funcionários do Inep – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, órgão responsável pelas provas, pediram demissão de seus cargos, alegando censura, falta de comando técnico, clima de insegurança e medo na instituição. Segundo denunciaram em entrevista ao Fantástico do último domingo, o Presidente do Inep, Danilo Dupas, teria ido até a sala segura onde as provas ficam armazenadas e lido as questões montadas pelas equipes técnicas. Depois disso, teria solicitado a exclusão de mais de vinte questões das provas. “Eram questões que tratavam principalmente da história recente do país, dos últimos 50 anos. Sob o ponto de vista da equipe técnica, não havia qualquer reparo pedagógico a ser feito na primeira versão da prova”, afirmaram.

Enquanto este absurdo acontecia na preparação do mais importante processo avaliativo de estudantes para o ingresso nas universidades públicas brasileiras e de muitas particulares, o presidente da República, em entrevista concedida durante sua viagem a Dubai, afirmava: "começam agora a ter a cara do governo as questões da prova do Enem. Ninguém precisa ficar preocupado. Aquelas questões absurdas do passado, que caíam tema de redação que não tinha nada a ver com nada. Realmente, algo voltado para o aprendizado."

Confesso que nada mais me causa surpresa neste desgoverno do Brasil, mas fiquei completamente indignado com esta situação. É absolutamente inadmissível que isto aconteça: interferência política no conteúdo de um exame para atender à linha ideológica de um governo anti-ciência, negacionista, despreparado, autoritário, que joga a todo momento com a desinformação da população. Isso me lembra a censura da ditadura militar brasileira, instalada no golpe de 1964, quando professores de história eram perseguidos e os conteúdos do que se ensinava nas escolas passavam pelo crivo do governo.

Não dá para aceitar que o Presidente do Inep, que segundo funcionários do órgão é extremamente despreparado para exercer o cargo que ocupa, pegue uma prova e saia riscando os itens por não gostar ou não aprovar seu conteúdo, obrigando o corpo técnico a refazer a prova por duas vezes. Isso representa um grande retrocesso, tanto para a instituição, quanto para o Exame Nacional, que vinha avançando em organização, eficiência e credibilidade nos últimos anos. O Inep tem 84 anos de existência e, vinculado ao Ministério da Educação, é uma das maiores e mais especializadas instituições de avaliação educacional do mundo. As provas do Enem, compostas por 180 questões retiradas do Banco Nacional de Itens, onde se encontram milhares de questões, são elaboradas por professores selecionados através de um edital.

A preocupação do governo federal deveria ter sido com a situação de milhões de estudantes pobres brasileiros, que não tiveram condições de se preparar adequadamente para as provas no período da pandemia, uma vez que não tiveram os recursos tecnológicos necessários para acompanhar o ensino remoto ou, até mesmo, tiveram que deixar de estudar para correr atrás da sobrevivência. O descaso do presidente da República com os empobrecidos deste país chega a causar revolta.

Nos próximos finais de semana, 3.109.762 estudantes, o menor número de inscritos no Enem desde 2005, vão buscar uma vaga no ensino superior, sonhando com um futuro melhor por meio da sua formação acadêmica. Infelizmente, o exame a que vão se submeter tem a cara desse governo. Lamento que esta geração de alunos tenha que passar por estes momentos sombrios. Espero que em breve possamos voltar a viver tempos de conquistas, avanços e progressos na Educação do Brasil. Vamos esperançar!