quinta-feira, 12 de maio de 2016

CRISE POLÍTICA E LUTA DE CLASSES


 
A grave crise política que estamos vivendo hoje no Brasil não tem a ver apenas com a disputa pelo poder central da República. Não se trata simplesmente de tirar um presidente ou um partido que está à frente do governo para dar lugar a outro. Trata-se, isto sim, de uma disputa de projetos políticos, com orientações ideológicas antagônicas.

Enganam-se aqueles que afirmam que a luta de classes não existe mais e que isso é mero discurso esquerdista para causar divisões e discórdias na sociedade. A crise política em nosso país é o mais recente e contundente exemplo de que ela segue vigorosa e que sempre encontra muitas formas de dissimulação. O que está em curso no Congresso Nacional é a mais acabada ofensiva dos partidos de direita para derrotar um governo e um partido que representam o projeto de combate às desigualdades sociais, de maior igualdade de direitos e oportunidades para os trabalhadores e empobrecidos e de um programa de políticas sociais jamais visto na história desse país.

O golpe político articulado pela oposição e os ex-governistas quer trazer de volta o projeto neoliberal do Estado mínimo, da desregulamentação da economia para a garantia da maior liberalidade do mercado, da supressão das políticas sociais e dos direitos dos trabalhadores, do incentivo ao capital financeiro e rentista. É o retorno da política dos privilégios para as elites econômicas, para o grande empresariado e para o agronegócio. É o projeto que, com certeza, vai reposicionar o Brasil no ranking dos países com maior desigualdade social e no Mapa da Fome da ONU, como estivemos há alguns anos.

Estamos diante de um processo conduzido pelos representantes de  uma aliança jurídico-parlamentar-midiática, que absolutamente tiveram seus interesses contrariados nas gestões petistas, mas que nunca se conformaram com um governo compromissado com as causas populares. Não lhes faltaram apoio e investimentos por parte do governo na agricultura, na indústria, no setor da infraestrutura e do comércio com o aumento do consumo. Mas, mesmo assim, não toleravam as políticas de distribuição de renda, de recuperação do salário mínimo, de combate à fome, de acesso às universidades, das ações afirmativas, de acesso à moradia, de garantia de direitos às minorias. Mal continham a irritação e o menosprezo diante dos novos protagonistas em defesa de sua cidadania: mulheres, negros, índios, LGBT’s.

Se as elites estavam silentes numa cojuntura favorável aos seus negócios, seu humor mudou e seu ímpeto golpista saiu do armário quando a crise econômica se abateu sobre o país e começou a contrariar seus interesses. Não podiam mais aceitar um Estado que dispendia parte considerável do seu orçamento com políticas sociais. Em tempos de crise, eles sabem bem qual o remédio a ser adotado: diminuição do Estado e cortes de gastos. Os maiores atingidos? Os pobres e assalariados, os que não têm como sonegar impostos, pois estes são descontados em seus salários no holerite. Mas tudo para preservar seus interesses. Tudo para acalmar o santo mercado e preservar os rendimentos nas aplicações financeiras e submeter o Estado aos interesses privados.

As conquistas sociais dos últimos anos, nos governos da esquerda, são inegáveis. Milhões de pessoas saíram da linha da pobreza e passaram a consumir, a comer melhor, a estudar e a ter onde morar. Os pobres subiram um degrau na sociedade, foram aos shoppings centers, lotaram supermercados e lojas, compraram carros e passaram a viajar de avião. As empregadas domésticas conquistaram os mesmos direitos que os demais trabalhadores. Os filhos dos empresários tiveram que dividir espaços nas universidades com os filhos dos trabalhadores, com os pobres, com afrodescendentes e indígenas. Segmentos antes marginalizados ou invisíveis cresceram em organização e passaram a reclamar sua cidadania. Tudo para aumentar a irritação das elites.

Mas a crise econômica bateu às nossas portas. Para as elites, o capital não pode perder e o Estado tem que estar a seu serviço. A acumulação deve prosseguir, os lucros não podem cair. Bem, aí a paciência se esgotou. Era preciso mudar os rumos do governo. Era preciso retomar o projeto anterior às últimas quatro derrotas eleitorais da direita. O que fazer, então, para derrotar o governo e seu partido? Criminalizá-los.

Forma-se então a aliança jurídico-parlamentar-midiática para a ofensiva de carimbar o PT como o partido mais corrupto da história do Brasil e o governo como conivente com a corrupção e responsável pela recessão econômica. Ao judiciário, à Polícia Federal e ao Ministério Público couberam as investigações seletivas e ações espetaculares para condenar os petistas. À mídia, a formação da opinião pública de que o PT estava na raiz de todos os males da nação. Aos parlamentares, a construção do crime de responsabilidade para cassar a presidenta.

O processo do impeachment começou a ser pensado desde os primeiros momentos que se seguiram à reeleição de Dilma Rousseff. A oposição questionou os resultados, insinuou fraude nas urnas eletrônicas, tentou impedir a posse da vencedora e fez de tudo para que a mesma não tivesse paz para governar. As oposições derrotadas nas urnas trataram de desestabilizar o governo, minando sua base no Congresso e votando as pautas-bomba para elevar gastos e dificultar o equilíbrio das finanças públicas.

A batalha foi armada. A confluência de interesses uniu oposição e ex-governistas para tomar de assalto o governo.  Discurso pronto: a presidente cometeu crime de responsabilidade ao praticar as chamadas pedaladas fiscais e editar decretos de suplementação orçamentária sem autorização legislativa. Mas esses atos não foram cometidos por outros presidentes? Não eram crimes e agora o são? Sim, agora, por conveniência, o são. Isso é o de menos.

Pois então, se a esquerda não foi derrotada nas urnas, só restou o golpe institucional, revestido de legalidade, afiançado pela Suprema Corte, transmitido ao vivo pelas redes de televisão e assistido pelas massas acreditando que o fim da corrupção chegou e uma nova era para o país se inaugurou. Mas, espera um pouco. Quem está assumindo a presidência mesmo? Quem são seus ministros? Nova era? Fim da corrupção?

A luta de classes está viva e vigorosa. A democracia foi sacrificada e o projeto das elites está de volta. A história prossegue.

E para nós que ousamos um dia sonhar com um outro país possível, de justiça social e solidariedade, com crianças sorrindo, mulheres empoderadas, negros e índios respeitados, trabalhadores valorizados, LGBT’s tratados como gente, e lutamos muito por isso, não nos resta outro caminho a não ser o da luta organizada, da boa política da utopia desejada.

Termino com Immanuel Kant: “No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se encontra acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade”.

 

Pedro Kemp (12/05/2016)

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