quinta-feira, 23 de junho de 2016

ORDEM E PROGRESSO


 

As ruas estão vazias. As camisetas verde-amarelas da CBF voltaram para os armários. As panelas estão silenciosas. Tudo voltou a ser como antes no cenário político. As velhas raposas retornaram aos postos do poder. O país recuperou a tradicional política da ordem e do progresso.

A ordem foi restaurada por um ministério de homens brancos, ricos e de opiniões conservadoras. Homens tementes a Deus, defensores da moral e dos bons costumes, mas apenas defensores, uma vez que não servem de exemplos dos valores que pregam. Ordenaram às mulheres o retorno às atividades domésticas, aos negros a submissão aos espaços inferiores, aos LGBT’s a condição de marginais e transgressores dos padrões da moralidade, aos artistas o lugar de desocupados, condenando os “esquerdistas”, “bolivarianos” e “parceiros de Cuba” como corruptos e inimigos da família.

Para preservar a ordem, preparam a aprovação de algumas medidas que consideram fundamentais, como a redução da maioridade penal, que, segundo creem, contribuirá decisivamente para diminuir a violência no país; o projeto “escola sem partido”, para acabar com a doutrinação de esquerda das crianças nas escolas; a mudança do estatuto do desarmamento, a fim de armar a população contra os criminosos; o fim das demarcações das terras indígenas, afinal, para que querem tanta terra os índios se não produzem, não criam gado e não plantam soja e milho para exportar?

O caminho para o progresso também foi restabelecido e agora o país marcha a passos largos na direção de vencer a crise econômica e voltar a crescer. As palavras de ordem são reduzir os gastos e atrair investimentos. Como? Fazendo cortes nos programas sociais como o Bolsa Família, uma vez que esse programa tem muitos desvios e acomoda os pobres que não querem mais trabalhar; limitando gastos com saúde e educação, até porque o atendimento universal do SUS precisa ser revisto, gasta demais e não funciona, e o piso salarial dos professores está quebrando as prefeituras e governos estaduais; terceirizando as atividades fins nas empresas privadas e no serviço público e flexibilizando a legislação trabalhista, pois a CLT é atrasada e os encargos sociais são pesados e emperram a economia; permitindo a compra de terras por estrangeiros, pois vão trazer investimentos para o país; fazendo a reforma da Previdência, pondo fim ao rombo nas finanças públicas causado pelo pagamento dos vencimentos dos aposentados e pensionistas.

Há muitas outras propostas que a equipe ministerial planeja executar, mas antes precisa concluir o processo de impeachment da presidente afastada. Tudo visando o progresso... do capital financeiro e rentista, das empresas e indústrias, do agronegócio. Chega de ideologia, chega de preocupação social, de combate à fome e à miséria, de direitos humanos. Os pobres já estavam indo longe demais, viajando de avião para cima e para baixo, ingressando nas universidades e invadindo os shopping centers. Essa história de cotas para negros e pobres só está prejudicando a formação profissional dos mais preparados e capazes, que irão ajudar o Brasil a se tornar um país desenvolvido. Menos ideologia e mais progresso.

Quanto à Operação Lava Jato, esta já pode ir caminhando para o seu desfecho, visto que cumpriu bem o papel de criminalizar o PT, partido mais corrupto da história do Brasil, e prender suas principais lideranças. Não tem por que prosseguir, pois as denúncias que envolvem outros políticos e partidos são meros indícios e ilações de delatores que só querem se livrar da prisão. Onde já se viu envolver tantos políticos tradicionais, homens honestos e bem relacionados, inclusive com os membros insuspeitos da Suprema Corte?

Agora, sim. Abram alas para a passagem da tocha olímpica. Vamos celebrar com festa os jogos que unem as nações, afinal nosso país trouxe de volta a ordem e caminha novamente rumo ao progresso.

quarta-feira, 15 de junho de 2016

NOTA DE REPÚDIO


Manifesto meu mais veemente repúdio ao ataque violento contra a comunidade indígena da etnia Guarani-Kaiowá, ocorrida na tarde desta terça-feira, 14, próximo à Aldeia Te’Yikuê, no município de Caarapó, que resultou na morte do agente de saúde indígena Clodiode Aguileu Rodrigues de Souza, 20 anos, e que deixou mais nove pessoas feridas, duas em estado grave.
O massacre perpetrado contra os indígenas é mais um dos inúmeros atos de violência sofridos pelos povos originários deste Estado, que lutam para que seus territórios tradicionais sejam demarcados conforme o que determina a Constituição Federal. Os índios pagam com a vida de suas lideranças o preço de reivindicarem seus direitos, diante da omissão do Estado brasileiro em sua responsabilidade de intermediar uma solução definitiva para os conflitos agrários envolvendo comunidades indígenas e produtores rurais.
Por inúmeras vezes, a Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul já foi palco de debates em reuniões e audiências públicas sobre o assunto, que resultaram no encaminhamento de propostas concretas para pacificar o Estado, respeitando e garantindo os direitos das partes envolvidas nos conflitos. Infelizmente, os anos vão passando, as propostas ficam nos documentos, os ânimos vão se acirrando cada vez mais e vidas de indígenas continuam sendo ceifadas impunemente.
Manifesto, também, meus sentimentos de pesar e solidariedade aos familiares do indígena assassinado e a toda comunidade da Aldeia Te’Yikuê, que sofreram a agressão por homens armados, os quais  chegaram ao local atirando a esmo na direção de centenas de pessoas reunidas, sendo homens, mulheres e crianças.
Solicito à Bancada Federal de Mato Grosso do Sul no Congresso Nacional que se posicione frente ao ocorrido no Estado e que exija do Governo Federal providências urgentes para garantir a segurança das pessoas nas áreas de conflito e a retomada urgente das negociações visando à solução definitiva dos processos de demarcação das terras indígenas.

Solicito, ainda, às autoridades competentes a apuração dos fatos e que os responsáveis por mais esses crimes contra os índios Guarani-Kaiowá sejam punidos sob o rigor da lei.

Não é mais possível que esta situação perdure no Mato Grosso do Sul e que a sociedade continue a assistir passivamente a execução impune de lideranças indígenas que lutam pela garantia de seus direitos constitucionais.

Campo Grande, 15 de junho de 2016-06-15

Deputado Estadual Pedro kemp (PT)

quinta-feira, 9 de junho de 2016

ESCOLA SEM PARTIDO: O QUE ESTÁ POR TRÁS?


 
Existem hoje vários projetos tramitando na Câmara dos Deputados que colocam em risco as bases da educação escolar e criminalizam a prática docente. Alguns proíbem que professores abordem com seus alunos temas relacionados à educação moral, sexual e religiosa, relegando tão somente às famílias tal responsabilidade. Outros pretendem vedar a discussão de gênero, orientação sexual e os temas transversais na educação. Mas o projeto mais emblemático é o PL 867/2015, conhecido como “Escola Sem Partido”, que já tramita também, de forma similar, em várias câmaras de vereadores e assembleias legislativas. Tal projeto, inspirado no movimento com o mesmo nome (ver www.escolasempartido.org), com o pretexto de impedir a doutrinação político-ideológica em sala de aula, procura impor limites à prática docente e dá supremacia à orientação da família sobre a educação escolar.

Considero que tais projetos retratam a conjuntura da crise pela qual estamos passando, onde cresce o pensamento conservador e reacionário, que visa combater as conquistas de direitos por parte das minorias sociais e segmentos vulnerabilizados socialmente, os quais historicamente estiveram à margem das políticas públicas. Uma vez aprovados, os professores deixam de ser educadores, no sentido mais amplo do termo, passam a ser meros repassadores de conteúdos “neutros” pré-estabelecidos e distantes do mundo real, perdendo o direito à liberdade de expressão no exercício de sua atividade profissional. Os docentes ficariam vulneráveis quanto à escolha e forma de tratar certos conteúdos, pois a qualquer momento poderiam ser denunciados, condenados à prisão ou exonerados.

O movimento Escola Sem Partido, nas palavras de um de seus representantes, o advogado Miguel Nagib, “surgiu em 2004 como reação ao fenômeno da instrumentalização do ensino para fins político-ideológicos, partidários e eleitorais” (http://www.escolasempartido.org/midia/395-entrevista-de-miguel-nagib-a-revista-profissao-mestre). Seu objetivo é combater a prática da “doutrinação” dos alunos por parte de seus professores, ou seja, impedir que estes se aproveitem da “audiência cativa” dos estudantes em sala de aula para “fazer sua cabeça” com ideias que contrariam a boa formação moral, religiosa e política dada por seus pais no interior de seus lares.

É interessante notar que o surgimento do tal movimento coincide com a chegada da esquerda ao governo federal e, por tudo que temos lido sobre seus pressupostos filosóficos, podemos afirmar que o que se deseja, na verdade, é impedir a mudança da perspectiva tradicional de análise da realidade por parte das pessoas, frear a propagação de um pensamento crítico frente a sociedade capitalista excludente e opressora e proteger o pensamento hegemônico da direita. A defesa da suposta neutralidade política da escola representa a manutenção no contexto educacional do pensamento daqueles que não querem o questionamento da sua posição social, dos seus valores e dos seus interesses. Para os representantes do movimento, ideologia na escola? Não. Perspectiva ideológica burguesa na educação? Aí sim. Sem problemas. Em sua justificativa estão defendendo as ideias próprias das famílias bem constituídas e com sólida formação moral.

O movimento Escola Sem Partido parte da mais atrasada concepção de educação, chamada por Paulo Freire de “educação bancária”, que considera o professor o sujeito do processo educativo, detentor do conhecimento, e o aluno seu objeto, que chega à escola de cabeça vazia, onde serão depositados os conteúdos para serem “sacados” depois no dia das provas. Os alunos seriam totalmente passivos nesta relação, meros receptores de conhecimentos prontos e neutros, sem qualquer capacidade de construção do saber e de formação da sua própria opinião sobre a realidade. Nesta perspectiva, o movimento quer passar a ideia de que os alunos são sempre vulneráveis, uma vez que o professor pode se aproveitar de sua autoridade na sala de aula para executar sua doutrinação política e ideológica.

Cabe-nos aqui ressaltar que a educação tradicional formou bons defensores do sistema e reprodutores do pensamento hegemônico da burguesia, mas não impediu que surgissem os questionadores da ordem estabelecida e os opositores do sistema vigente. A “educação bancária” não impediu o surgimento do pensamento divergente do pensamento dominante. E por quê? Justamente porque os educandos não são meros depositários de informações, não vão para a escola só com a formação dada pela família e nem seu aprendizado se dá sem sua participação ativa. Quando a criança sai dos limites do espaço doméstico passa a ampliar sua visão de mundo e a conhecer outras opiniões e outras formas de se relacionar com a realidade, diferentes daquelas de sua família. Além do mais, recebe em sua formação uma forte influência dos valores transmitidos subliminarmente pelos meios de comunicação de massa, que muitas vezes determinam mais decisivamente o seu pensamento do que seus pais e professores. Interessante notar que os membros do Escola Sem Partido não questionam essa “doutrinação” da mídia.

A educação numa sociedade de classes nunca foi e nunca será neutra. Nenhum professor é politicamente neutro e seus alunos tampouco o serão. A escola, numa sociedade que se deseja democrática, deve ser o espaço do exercício do pensamento crítico e da formação para a cidadania. Deve oferecer aos estudantes instrumentos de análise dos temas da realidade, considerando a diversidade e a pluralidade cultural, a fim de que os mesmos conquistem a autonomia no pensar e formem sua opinião, de forma embasada e crítica. Isso só é possível num ambiente em que se implante a prática do questionamento e do respeito às diferenças. Impedir o debate na escola de assuntos pertinentes ao mundo real das pessoas vai tão somente transferi-los para outros espaços da convivência social do aluno. Seria uma tentativa frustrada de relegá-lo a viver numa redoma, que, se fosse possível, torná-lo-ia ainda mais vulnerável à alienação e à manipulação.

Aos defensores do Escola Sem Partido queremos dizer que o que advogam não é a existência de uma escola sem partido, sem doutrinação, sem ideologia. Isso é conversa pra boi dormir! O que desejam é uma escola com a sua ideologia, com a ideologia de sua classe. Defendem a hegemonia do pensamento liberal e combatem o pensamento das esquerdas. O discurso da neutralidade é só de fachada. Os guardiões da moral e dos bons costumes advogam, na verdade, a manutenção da velha sociedade desigual, excludente, dirigida por homens brancos, ricos e de família tradicional. Direitos humanos, discriminação racial, conversa sobre índios, violência contra mulheres, preconceito contra LGBT’s, oportunidades para todos... Bem, isso é ideologia. Que fique fora da escola!