Para início de conversa, fazer uma reforma do ensino médio por
meio de uma Medida Provisória (MP), como quer o governo ilegítimo de
Temer, é uma ação autoritária e desrespeitosa. Esta forma impositiva
representa a recusa de uma interlocução necessária com a sociedade civil sobre
um tema da maior relevância para a formação dos cidadãos e para o futuro do
País. Depois, analisando o seu conteúdo, veremos que se trata de um enorme retrocesso
para a educação.
É autoritária e desrespeitosa, porque uma MP entra em vigor no
momento em que é editada pelo presidente da República e tem o prazo de 120
dias para o Congresso Nacional se manifestar, não permitindo o debate aprofundado que a matéria requer junto à sociedade, com os
especialistas do setor e, em especial, com os educadores e estudantes, sendo
estes últimos os maiores interessados no assunto. Medida Provisória é o
instrumento que deve ser utilizado de forma excepcional pelo Executivo para
assuntos que requerem providências ou encaminhamentos emergenciais.
Agora, em matéria de educação, as mudanças precisam
ser amplamente debatidas, maturadas e planejadas, antes de entrar em vigor no
“chão das escolas”, ainda mais quando se tratam de alterações tão
significativas na organização do ensino médio em todo o país.
É mais do que sabido que o ensino médio precisa passar por
mudanças importantes para galgar os índices de qualidade desejáveis; para
motivar nossa juventude a ter acesso ao conhecimento sistematizado e a se
inserir criticamente na sociedade; para responder às necessidades desses
novos tempos, de grandes avanços tecnológicos, mas também de crise aguda
no modelo econômico; e para contribuir com um desenvolvimento
econômico ambientalmente sustentável e socialmente mais justo. Contudo, além
da forma célere e atabalhoada como o governo está fazendo, a reforma,
no mérito, vai representar um grande retrocesso para a educação
brasileira.Vejamos.
A Medida Provisória N°746/2016 faz substanciosas alterações na Lei
de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (Lei N°9.394/96), na Lei 11.494/07 (FUNDEB) e revoga a Lei N°11.161/05 (sobre o uso da língua
espanhola). Propõe a ampliação progressiva da carga horária do ensino médio e
uma redução no número de disciplinas, uma vez que, na exposição de motivos, o
governo alega que o principal problema dessa etapa da educação básica está no
currículo extenso (treze disciplinas), superficial, fragmentado e não alinhado
ao mundo do trabalho, levando os estudantes ao desinteresse e provocando altas
taxas de desistência e de não aproveitamento. Altera a LDB, estabelecendo que a
Base Nacional Comum deve conter, obrigatoriamente, o
estudo da língua portuguesa,
o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política,
especialmente da República Federativa do Brasil; a obrigatoriedade do estudo da
língua inglesa; exclui as disciplinas de artes, educação física, sociologia, filosofia
e música. Após cumprir a Base Nacional Comum, que não deve exceder 1.200 horas,
ou seja, um ano e meio, os alunos devem escolher o itinerário formativo
específico que desejam seguir: linguagens, matemática, ciências da natureza,
ciências humanas e formação técnica e profissional. Sendo assim, a segunda
metade do curso, com duração de mais um ano e meio, é montada pelos alunos, de
acordo com seus interesses. Português, Matemática e Inglês permanecem obrigatórios
durante os três anos.
A primeira questão que levantamos é como a reforma vai se dar no
ensino noturno, com a proposta de ampliação da carga horária? Será que haverá
um tipo de ensino médio para quem só estuda e outro para quem estuda e
trabalha? A MP não responde a esta questão, deixando claro que desconsidera a
realidade de milhões de jovens que cursam esta etapa da educação básica após
sua jornada diária de trabalho.
Ao estabelecer um período para o estudo da Base Curricular
Nacional e um outro para os itinerários formativos específicos, o governo
pretende tornar o ensino médio mais atrativo para os alunos, por levar em conta
seus interesses, e transformá-lo numa etapa de aprofundamento ou especialização
de conhecimentos, que hoje é próprio do ensino superior. Os alunos já vão fazer opção pela área de conhecimento que querem seguir em seu futuro profissional. Deixarão de lado outras áreas do conhecimento para focar em apenas uma. Isso vai representar
um empobrecimento do currículo, pois a educação básica, pelos próprios
objetivos que lhe são propostos pela LDB, quais sejam “desenvolver o educando,
assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e
fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”, não
pode restringir a amplitude dos estudos. A educação básica é, por definição,
mais ampla que a superior e deve concorrer para a formação integral dos alunos.
Atribuir os problemas de evasão e não aproveitamento no ensino
médio ao currículo extenso e fragmentado é, no mínimo, fazer uma análise
simplista da questão, desconsiderando variáveis importantes, como a formação
inicial e continuada dos docentes, as condições de trabalho dos profissionais
da educação e as condições sociais de vida dos alunos. Além do mais, não se
resolve a fragmentação de conteúdos reduzindo o número de disciplinas, mas sim
numa mudança conceitual e metodológica, que leve à interdisciplinaridade no trabalho da equipe
de educadores.
Mas o ponto que mais nos chama a atenção na proposta do governo é a
ênfase dada na formação técnica e profissional, deixando claro o objetivo de
retomada do antigo ensino profissionalizante no ensino médio. Em suma, o que os
atuais dirigentes da Nação querem é reduzir a amplitude dos conhecimentos dos
estudantes secundaristas, precarizar sua formação, incentivando-os a escolher precocemente uma
profissão e, com isso, atender mais aos interesses do mercado por mão de obra
barata, com trabalhadores bem treinados a executar determinadas funções, do que
formar cidadãos autônomos, com consciência das relações que compõem o mundo do trabalho.
Resta, pois, um modelo formativo tecnicista que favorece a lógica do mercado e
não o desenvolvimento integral da pessoa e da sociedade.
Por fim, cabe ressaltar a contradição que o governo incorre ao
propor uma mudança de tal envergadura no ensino médio, prometendo, inclusive,
recursos para sua implantação, no momento em que envia para o Congresso
Nacional um Projeto de Emenda Constitucional que congela investimentos nas
áreas sociais por até 20 anos. Fica a pergunta: como ampliar a carga horária no
ensino médio sem investir na infraestrutura das escolas para adequá-las à permanência dos alunos por mais tempo e para dotá-las das
condições de um ensino de qualidade, com refeitórios, laboratórios,
bibliotecas, salas de informática, por
exemplo? Além de tudo, a emenda constitucional vai impedir a realização de novos concursos públicos. E,
como os Estados vão contratar professores habilitados nas áreas específicas do
currículo, para suprir as vagas hoje existentes?
A ameaça de um grande retrocesso na educação está posta. Haverá
resistência na sociedade capaz de barrá-la? Estudantes de 19 Estados e do
Distrito Federal deram seu recado, ocupando 1.197 escolas. Suas vozes serão
levadas em conta? Teremos como vencer o clima de apatia e resignação que toma conta
do conjunto da sociedade brasileira hoje? Pois bem, ou fazemos a luta
organizada de resistência às medidas anunciadas, ou muitos pacotes de maldades
ainda cairão sobre nossas cabeças.
Gostei do Blog. Partilho esse vídeo sobre poder , dinheiro, hierarquia, distribuição de renda e crise mundial!
ResponderExcluirVejam e reflitam!
https://www.youtube.com/watch?v=_w0aI-c-ZiA