Na foto acima, temos o momento em que Gustavo Lima, cirurgião dentista de 27 anos, vacinava sua mãe contra a covid-19, a professora aposentada Tânia Mara dos Santos Lima, 55 anos, no dia 1º de maio. Momento de felicidade para os dois. Mas, neste dia, não podiam imaginar o que iriam viver três meses depois.
Gustavo é profissional da rede municipal de saúde de Campo
Grande, faz residência multiprofissional em saúde da família e, aos finais de
semana, faz parte da equipe de vacinação contra covid no drive-thru do Albano
Franco. No último dia 21 de agosto, sábado, ele foi vítima de homofobia, quando
uma mulher, ainda não identificada, impediu que o mesmo vacinasse sua filha, apontando
para ele e dizendo que não queria que a filha fosse imunizada “por esse tipo de
gente, um viado”. Foi um momento de grande constrangimento para o dentista, que
relatou o ocorrido nas redes sociais. Sua mãe relatou à imprensa sua “dor
intensa” ao ver o filho acordar, no dia seguinte ao fato, muito triste, abatido
e por ter sido vítima de homofobia ao realizar seu trabalho como profissional da
Saúde. Segundo Tânia, o filho já foi alvo de “brincadeiras e piadinhas”, mas
sempre conseguiu lidar com a situação, mas, desta vez, o episódio o abalou. Indignada,
desabafou: “É um momento muito delicado, nunca passamos por isso, não podemos
deixar o crime permanecer. Ela se esqueceu que mexeu com alguém que tem mãe”,
afirmando estar atrás das imagens do local que possam identificar o carro da
mulher (cf. https://www.campograndenews.com.br).
Este é mais um fato que, lamentavelmente, ocorre todos os dias em nosso país. Embora a sociedade tenha avançado no debate sobre questões de gênero e sexualidade, ainda há muito preconceito, que se traduz em discriminação, com agressões verbais e/ou físicas e, até mesmo, em situações de homicídio. Não podemos mais conviver com isso, se queremos, de fato, construir uma sociedade verdadeiramente democrática, respeitadora e promotora dos direitos fundamentais dos seus cidadãos e cidadãs. O preconceito da mulher que recusou a vacinação da sua filha pelas mãos de um homossexual é social, cultural, mas também pessoal. Nessas situações de violação dos direitos humanos, além do trabalho constante da sociedade de enfrentar o preconceito pela conscientização e pela educação, é absolutamente necessária a punição de todos aqueles que praticam tais crimes, pois eles atentam contra a integridade pessoal e a dignidade inerente a todos os seres humanos. O crime contra Gustavo Lima é um crime praticado contra a humanidade.
É importante lembrar que a homofobia é uma violação do
Direito Humano fundamental de liberdade de expressão da singularidade humana,
revelando-se um comportamento discriminatório, que afeta pessoas em diversas esferas
da vida, prejudica ambientes de trabalho e mata um brasileiro a cada 23 horas.
Ela está presente estruturalmente na sociedade, assim como o racismo e o
machismo e, por isso, de difícil erradicação, pois requer profundas mudanças
comportamentais, atitudinais e de mentalidade.
Embora a Constituição Federal brasileira e a legislação
infraconstitucional ainda não citem a homofobia expressamente como crime, em
junho de 2019, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela criminalização desta
conduta, determinando que passe a ser punida pela Lei de Racismo (7.716/89). Portanto,
constitui crime praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito em
razão da orientação sexual de qualquer pessoa. A pena pode variar de um a três
anos, mais multa, podendo chegar a cinco anos se houver divulgação do ato
homofóbico em meios de comunicação, como nas redes sociais.
A homossexualidade não pode ser considerada um desvio, uma
doença ou distúrbio mental, como foi vista no passado, ou como uma opção da
pessoa, uma vez que constitui uma livre orientação de seres humanos saudáveis,
responsáveis e conscientes de seus direitos como cidadãos e cidadãs. A
homofobia e a transfobia são comportamentos preconceituosos e imorais,
conquanto atentam contra a integridade pessoal, física e moral dos indivíduos.
Enquanto aguardamos a aprovação pelo Congresso Nacional de
lei específica de tipificação do crime de homofobia, vamos lembrar que a
violação praticada pelo homofóbico está expressa em nossa Constituição, quando
no seu Art. 3º diz ser objetivo fundamental da República “promover o bem de
todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, ou quaisquer outras
formas de discriminação”; e no seu Art. 5º, “a lei punirá qualquer
discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”. Sendo assim,
é dever da sociedade, incluídos os poderes públicos, zelar pelo cumprimento da
nossa Carta Maior e fazer valer a dignidade de todos os brasileiros e
brasileiras.
Gustavo Lima tem uma mãe corajosa e indignada diante da
violência sofrida por seu filho em pleno exercício de sua atividade
profissional, como cidadão e trabalhador. Mas ele tem também um direito que lhe
é inerente e inalienável. Cabe a todos nós respeitar e fazer valer este
direito!