Em oposição à candidatura
do ex-advogado-geral da União e ex-ministro da Justiça, André Mendonça, para o
cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), a Associação Brasileira de
Juristas pela Democracia (ABJD) e outras 130 organizações da sociedade civil
lançaram a candidatura da advogada e jurista Soraia Mendes, para ocupar a
cadeira deixada por Marco Aurélio de Melo. Na verdade, como a própria Soraia afirma,
trata-se de uma anticandidatura: “Simples, porque não sou candidata, sou uma
anticandidata. É para isso que meu nome, minha história e minha trajetória
profissional servem, para honrar a cadeira que hoje se encontra vazia na Corte”,
afirma a jurista.
Há dois anos atrás,
o presidente Jair Bolsonaro assumiu o compromisso, durante um culto realizado
nas dependências da Câmara Federal, de indicar alguém “terrivelmente evangélico”
para o STF, sob o argumento de que o “estado é laico, mas nós somos cristãos”,
em mais um afago à sua base de sustentação política. Cumprindo a promessa, o presidente oficializou
no último dia 13 de julho o nome de Mendonça, pastor evangélico de uma igreja
presbiteriana. Para sentar na cadeira de magistrado, porém, o indicado precisa
passar por uma sabatina no Senado Federal, o que ainda não tem data marcada. Parece
que o nome do indicado deve enfrentar resistências na Casa e os arroubos
autoritários e golpistas do presidente não têm contribuído para uma boa relação com os senadores.
Entidades compostas por juristas deram início a uma campanha contra a indicação de André Mendonça por Bolsonaro. Para o grupo, sua indicação é um retrocesso para a Justiça e para a democracia, pelo fato de o ex-advogado-geral da União ter um explícito alinhamento ideológico com o governo do presidente. Afirma que, durante sua passagem pelo governo de Bolsonaro, Mendonça feriu a Constituição Federal ao subestimar os princípios institucionais para atender as demandas do presidente, utilizando sua crença religiosa como juízo de valor e desprezando o estado laico, além de usar da Lei de Segurança Nacional para perseguir e criminalizar críticos ao governo, ferindo a liberdade de expressão garantida pela Carta Magna de 1988.
Caso o nome de Mendonça seja rejeitado não será um fato inédito. O
STF foi criado em 1890, após a Proclamação da República, e nestes 131 anos
apenas cinco indicações do presidente foram derrubadas pelos senadores. Todas as rejeições ocorreram em
1894, no governo do marechal Floriano Peixoto. O caso mais emblemático foi o de
Cândido Barata Ribeiro, que não tinha formação jurídica, e que amargou a reprovação quando já atuava como ministro
do STF. Na época, o escolhido podia assumir as funções antes de o Senado votar
a indicação. Após dez meses julgando processos, Barata Ribeiro foi obrigado a
deixar o cargo.
Na atual conjuntura, tudo é possível acontecer, até mesmo de o Senado rejeitar a indicação do presidente e acolher a indicação da sociedade civil. Será? Bem, do ponto de vista da legalidade, não vejo que seria impossível, embora inauguraria um novo modelo. Apesar de não ser uma determinação legal, o Brasil sempre seguiu o ritual da justiça dos Estados Unidos, em que o novo nome vem de uma indicação do presidente da República. A Constituição Federal diz, em seus artigos 84, XIV e 101, Parágrafo Único, que os ministros do STF são nomeados pelo presidente, porém não diz que devem ser por ele indicados, e que devem ser brasileiros natos, com mais de 35 anos e menos de 75 anos e que devem ter notável saber jurídico e reputação ilibada. Pois bem, vejo aqui uma oportunidade para a sociedade exercer diretamente o poder (Constituição Federal, Art. 1º, Parágrafo Único) e indicar um nome com representatividade, idoneidade e competência para o cargo.
E é neste contexto que surge, de forma democrática, a candidatura da jurista Soraia Mendes, doutora em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília, mestra em Ciência Política pela Federal do Rio Grande do Sul, pós-doutoranda em Teorias Jurídicas Contemporâneas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, pesquisadora nas Ciências Criminais e com passagem como professora no ensino superior. Aos 47 anos, 15 deles como moradora de Brasília, a porto-alegrense poderia ser a 1ª mulher negra nomeada como ministra da mais alta instância do Poder Judiciário brasileiro. Para a jurista, sua nomeação seria “o início do resgate de uma dívida histórica, com os mais pobres, o povo negro e as mulheres.” Diante das ameaças de golpe por Bolsonaro e militares, ela considera que o tempo das pretensões totalitárias ainda não passou e cobra punição aos responsáveis pelas investidas. Afirma que, se nomeada, pretende ser "um dos guardiões da Constituição e, por consequência, de nossa democracia".
Se for nomeada para
o STF, Mendes se tornará a primeira mulher negra a ocupar a Corte, indicada pela sociedade. Na carta que
apresentou ao Senado Federal, a advogada se apresenta como defensora dos
direitos humanos das mulheres, de quilombolas, de servidoras e servidores públicos,
de indígenas, de rádios comunitárias e de pessoas LGBTQIA+, há pelo menos 20
anos.
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