A expressão fake news passou a ser conhecida
e amplamente utilizada em nosso vocabulário a partir de 2016, nas eleições
americanas que elegeram Donald Trump, em razão da divulgação em massa nas redes
sociais de muitas mentiras pelos apoiadores de sua campanha. Aqui no Brasil, a
mesma estratégia eleitoral passou a ser utilizada nas eleições de 2018,
contribuindo com a vitória nas urnas do então candidato, simpatizante de Trump,
Jair Bolsonaro. E, para alimentar a rede de disseminação das notícias falsas,
muito dinheiro foi investido na contratação de profissionais e na montagem da
rede de multiplicadores das mensagens. E a prática continua de vento em popa,
para tentar manter a base de sustentação do presidente na sociedade e criar os factoides,
que têm por objetivo desviar a atenção da população dos problemas que seu
governo não consegue resolver.
Desta forma, o que já temos
clareza hoje é que, não se tratam apenas de notícias falsas que são divulgadas
pelos profissionais da extrema direita. São conteúdos muito bem pensados e
divulgados, com status de verdades, para alimentar seus apoiadores, que não têm
o cuidado e a prática de checar a veracidade das informações que recebem, e passam
a fazer o trabalho voluntário de reproduzi-los em seus grupos e contatos nas
redes sociais. Ao receitar cloroquina para tratamento da covid, por exemplo, o
presidente planejou uma situação para se alcançar a pretensa imunidade de
rebanho no país, mesmo que tal objetivo custasse a vida de centenas de milhares
de brasileiros. Trata-se de uma estratégia com objetivos políticos bem
definidos, que forma uma base de apoio manipulada e pronta a fazer uma
discussão, às vezes cega e irracional, em favor das ideias seu líder maior.
Foi assim que passamos a viver uma era de
desinformação, de discussões rasas e apaixonadas, com argumentos mais na esfera
da crença do que da ciência. Hoje está muito difícil debater com determinadas pessoas
que navegam nas redes das fake news e que vêm o presidente da República como o
homem de bem, apoiado em princípios cristãos, defensor da família tradicional e
libertador da nação do perigo do comunismo. Bastou fazer um discurso como
representante de valores morais e utilizar o slogan “Deus acima de todos” para
conquistar amplo apoio entre evangélicos pentecostais e católicos
tradicionalistas. E além de manipular o sentimento religioso nas pessoas, sabe
muito bem direcionar a atenção da sociedade para falsos problemas e situações
fabricadas, como o tratamento precoce contra covid, a polêmica do voto
impresso, o possível golpe de estado no dia 7 de setembro, o STF que não o
deixa governar, fazendo com que os problemas reais do país - inflação,
desemprego, fome, miséria -, fiquem em segundo plano nas discussões.
O show de mentiras e afirmações imprecisas do presidente ganhou, mais uma vez,
o cenário internacional com a sua participação na abertura da Assembleia Geral
da ONU, neste último dia 20 de setembro. Como se não bastasse o vexame de comer
pizza na calçada com sua comitiva, em razão de ser impedido de entrar em
restaurantes por não estar vacinado, o chefe de Estado brasileiro, em seu
discurso de pouco mais de 10 minutos, tão somente acenou para sua base
eleitoral no Brasil, tentando passar a ideia de um governo bem sucedido,
exitoso na política econômica e ambiental e de enfrentamento à pandemia. Teve a
audácia de defender, diante das delegações do mundo todo, o uso de medicamentos
sem eficácia para a Covid-19, mostrando-se ainda favorável ao ‘tratamento
precoce’ e contra medidas sanitárias mundialmente reconhecidas, como o lockdown,
uso de máscaras e distanciamento social. Disse que não há corrupção em seu governo,
mesmo com as revelações da CPI do Senado de esquema de compra de vacinas com
preços superfaturados e pagamento de propinas; afirmou que o BNDES financiava
obras em países comunistas sem garantias; que a legislação ambiental brasileira
é a mais completa do mundo; que foram criados 1,8 milhão de novos empregos neste
ano; que as manifestações de apoio ao seu governo em 7 de setembro foram as
maiores da história do país; deu a entender que pagou um auxílio emergencial de
U$ 800 mensal para pessoas de baixa renda. E, como não poderia deixar de fazer
para completar sua peculiar oração, reafirmou os valores cristãos, defendeu a
família tradicional e disse ter afastado o Brasil do socialismo.
É importante dizer que Bolsonaro não quis passar uma mensagem para o mundo. Os países conhecem muito bem a real situação que estamos vivendo em terras tupiniquins. Sabem da nossa crise econômica, do aumento da inflação, dos 14 milhões de desempregados, da volta do país ao Mapa da Fome, dos retrocessos na área ambiental e da desastrosa política de enfrentamento à pandemia, que já ceifou a vida de 600 mil pessoas. O presidente brasileiro ocupou a tribuna da Organização das Nações Unidas, maior entidade de articulação dos países para garantia da paz mundial, de enfrentamento aos conflitos entre as nações e de busca de soluções para problemas humanitários e de proteção aos direitos fundamentais dos povos, para dirigir-se aos seus apoiadores brasileiros e reforçar sua pré-campanha à reeleição em 2022. Quis, tão somente, reafirmar-se como homem de coragem para dizer o que disse perante o mundo, sendo o “mito” que seus eleitores conheceram em 2018 e que não abre mão de defender o que mais lhe importa, ou seja, ele mesmo.
Para alguns setores da sociedade brasileira, o presidente só falou verdades e que o seu governo vai bem, ou seja, seus negócios vão muito bem obrigado. Enquanto a comida na mesa dos brasileiros fica cada vez mais cara; muitos tendo de cozinhar com álcool ou em fogão à lenha; a boiada vai passando no Congresso para caçar direitos da classe trabalhadora; nossas águas superficiais vão diminuindo, rios vão secando e as florestas vão sendo derrubadas ou ardem em chamas, alguns aumentam extraordinariamente seus lucros com exportações de comodities ou venda de medicamentos sem eficácia para a covid, e os serviços públicos seguem sendo transferidos para a iniciativa privada. Segue a passos largos o desmonte do Estado brasileiro, tornando difícil revertê-lo nas próximas décadas.
Às pessoas de bom senso, àqueles
que desejam ver um Brasil mais justo, mais solidário e garantidor dos direitos
fundamentais das pessoas, aos que creem na democracia e na soberania do país,
só há um caminho a percorrer neste momento: fazer a resistência democrática,
defender a Constituição e as instituições políticas, exigir a apuração dos
crimes de responsabilidade praticados pelo presidente da República e abertura do
processo de impeachment e organizar a sociedade para o próximo pleito
eleitoral, a fim de que seja a oportunidade de vitória de um projeto de
reconstrução nacional e de políticas públicas de interesse da maioria da
população brasileira, recolocando o país no cenário internacional como
protagonista e não como subalterno dos interesses das grandes potências
econômicas. Nossa vontade de mudar o Brasil não é fake news!
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