Estou me lembrando agora que, no auge da pandemia do Covid-19 no ano passado e no início deste ano, pelo menos em três ocasiões em que estive em farmácias para comprar medicamentos, escutei pessoas ao meu lado no balcão comprando Cloroquina e Ivermectina para realizarem “tratamento precoce” contra a doença. Em pelo menos numa ocasião o vendedor disse que os medicamentos estavam em falta devido à grande procura. Várias pessoas conhecidas minhas e, até mesmo familiares, fizeram uso destes medicamentos por conta própria, sem prescrição médica, porque ouviram dizer que preveniam sintomas mais graves em caso de contaminação com o novo coronavírus. É claro que essas pessoas foram influenciadas pela propaganda enganosa e criminosa promovida pelo governo Bolsonaro, seja por meio de pronunciamentos, lives e vídeos nas mídias sociais do próprio presidente, seja por recomendações do Ministério da Saúde, na contramão dos estudos científicos e orientações de especialistas da área da saúde, que concluíram pela ineficácia desses medicamentos para a prevenção ou tratamento da Covid-19. Bolsonaro, além de incentivar o uso de medicamentos sem eficácia comprovada, retardou o programa de vacinação no Brasil, pôs em dúvida a eficácia das vacinas, estimulou aglomerações enquanto cientistas orientavam o isolamento social e defendeu uma teoria de “imunidade de rebanho” sem qualquer respaldo científico.
Como é possível que um presidente da República, que não tem
formação em medicina e conhecimentos técnicos na área possa prescrever
medicamentos sem eficácia comprovada para uma doença nova e que ainda está
sendo pesquisada em todo mundo por especialistas em saúde? Como pode um
Ministério da Saúde de um país recomendar o uso de medicamentos, sendo que um
deles podem apresentar efeitos colaterais graves em pacientes cardíacos, quando
estudos científicos revelam ineficácia para a doença? Quanta
irresponsabilidade! Quantas vidas se perderam por causa de tais procedimentos
da parte dessas autoridades, que deveriam zelar pela correta condução das
medidas de enfrentamento à pandemia, na perspectiva de preservar e salvar da
morte as pessoas do seu país? Essas autoridades responderão por tais condutas?
A CPI da Covid no Senado Federal tem revelado situações muito
graves envolvendo agentes do governo federal em conluio com lobistas e empresas,
tanto em condutas negacionistas, desdenhando das medidas sanitárias recomendadas
pela OMS, quanto em esquemas para o desvio de recursos públicos na aquisição de
vacinas e de remédios sem eficácia para a doença. Muita gente lucrou com isso e,
com certeza, muitas outras pessoas iriam se beneficiar com quantias vultosas,
se não fossem pegas com a boca na botija.
Outro episódio que veio à tona recentemente, e que está sendo
investigado por autoridades policiais, é o que envolve a empresa Prevent
Senior, que promoveu um estudo irregular, antiético e criminoso, com falso
tratamento precoce contra a Covid-19 e que matou nove pessoas, mas que
impulsionou lucro recorde da empresa nos últimos cinco anos. Agora que ficou claro que cloroquina, hidroxicloroquina, ivermectina e
azitromicina não funcionam – e, inclusive, podem aumentar a mortalidade por
covid-19 –, a Prevent Senior passou a ser investigada pela CPI. Dossiê
elaborado por médicos da empresa revelou protocolos indecentes, como impor
remédios ineficazes aos pacientes nos serviços médicos do plano, submetê-los a
tratamentos experimentais sem autorização de autoridades sanitárias e
familiares e ocultar mortes em uma estudo feito irregularmente. A conduta da
Prevent Senior não foi apenas um experimento feito por médicos negacionistas,
que lembra, em certa medida, o “Estudo
Tuskegee de Sífilis Não-Tratada em Homens Negros”, ocorrido no Alabama, Estados
Unidos, de 1932 à 1972, e que foi uma das situações que mais contribuiu para o
avanço da Bioética. Ela tinha outro propósito: dar
dinheiro. Muito dinheiro. E teve como cúmplices pessoas influentes do mercado
financeiro, que incentivaram e lucraram muito com a distribuição indiscriminada
de kits covid para os pacientes. O protocolo de tratamento precoce da empresa teve
muita propaganda grátis e o próprio presidente Bolsonaro divulgou os resultados
do estudo irregular, que supostamente mostrava a eficácia da cloroquina. Desta
forma, o estudo recebeu respaldo pseudocientífico e passou a alimentar no país
a esperança de um tratamento que não existia.
A pergunta que fazemos é: quem vai
pagar pelas mortes de pessoas que fizeram tratamento com o Kit Covid? Será que
tudo vai ficar por isso mesmo?
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