domingo, 27 de novembro de 2016

O RETROCESSO NAS MUDANÇAS DO ENSINO MÉDIO


Para início de conversa, fazer uma reforma do ensino médio por meio de uma Medida Provisória (MP), como quer o governo ilegítimo de Temer, é uma ação autoritária e desrespeitosa. Esta forma impositiva representa a recusa de uma interlocução necessária com a sociedade civil sobre um tema da maior relevância para a formação dos cidadãos e para o futuro do País. Depois, analisando o seu conteúdo, veremos que se trata de um enorme retrocesso para a educação.

É autoritária e desrespeitosa, porque uma MP entra em vigor no momento em que é editada pelo presidente da República e tem o prazo de 120 dias para o Congresso Nacional se manifestar, não permitindo o debate aprofundado que a matéria requer junto à sociedade, com os especialistas do setor e, em especial, com os educadores e estudantes, sendo estes últimos os maiores interessados no assunto. Medida Provisória é o instrumento que deve ser utilizado de forma excepcional pelo Executivo para assuntos que requerem providências ou encaminhamentos emergenciais. Agora, em matéria de educação, as mudanças precisam ser amplamente debatidas, maturadas e planejadas, antes de entrar em vigor no “chão das escolas”, ainda mais quando se tratam de alterações tão significativas na organização do ensino médio em todo o país.

É mais do que sabido que o ensino médio precisa passar por mudanças importantes para galgar os índices de qualidade desejáveis; para motivar nossa juventude a ter acesso ao conhecimento sistematizado e a se inserir criticamente na sociedade; para responder às necessidades desses novos tempos, de grandes avanços tecnológicos, mas também de crise aguda no modelo econômico; e para contribuir com um desenvolvimento econômico ambientalmente sustentável e socialmente mais justo. Contudo, além da forma célere e atabalhoada como o governo está fazendo, a reforma, no mérito, vai representar um grande retrocesso para a educação brasileira.Vejamos.
 
A Medida Provisória N°746/2016 faz substanciosas alterações na Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (Lei N°9.394/96), na Lei 11.494/07 (FUNDEB) e revoga a Lei N°11.161/05 (sobre o uso da língua espanhola). Propõe a ampliação progressiva da carga horária do ensino médio e uma redução no número de disciplinas, uma vez que, na exposição de motivos, o governo alega que o principal problema dessa etapa da educação básica está no currículo extenso (treze disciplinas), superficial, fragmentado e não alinhado ao mundo do trabalho, levando os estudantes ao desinteresse e provocando altas taxas de desistência e de não aproveitamento. Altera a LDB, estabelecendo que a Base Nacional Comum deve conter, obrigatoriamente, o estudo da língua portuguesa, o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política, especialmente da República Federativa do Brasil; a obrigatoriedade do estudo da língua inglesa; exclui as disciplinas de artes, educação física, sociologia, filosofia e música. Após cumprir a Base Nacional Comum, que não deve exceder 1.200 horas, ou seja, um ano e meio, os alunos devem escolher o itinerário formativo específico que desejam seguir: linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica e profissional. Sendo assim, a segunda metade do curso, com duração de mais um ano e meio, é montada pelos alunos, de acordo com seus interesses. Português, Matemática e Inglês permanecem obrigatórios durante os três anos.

A primeira questão que levantamos é como a reforma vai se dar no ensino noturno, com a proposta de ampliação da carga horária? Será que haverá um tipo de ensino médio para quem só estuda e outro para quem estuda e trabalha? A MP não responde a esta questão, deixando claro que desconsidera a realidade de milhões de jovens que cursam esta etapa da educação básica após sua jornada diária de trabalho.

Ao estabelecer um período para o estudo da Base Curricular Nacional e um outro para os itinerários formativos específicos, o governo pretende tornar o ensino médio mais atrativo para os alunos, por levar em conta seus interesses, e transformá-lo numa etapa de aprofundamento ou especialização de conhecimentos, que hoje é próprio do ensino superior. Os alunos já vão fazer opção pela área de conhecimento que querem seguir em seu futuro profissional. Deixarão de lado outras áreas do conhecimento para focar em apenas uma. Isso vai representar um empobrecimento do currículo, pois a educação básica, pelos próprios objetivos que lhe são propostos pela LDB, quais sejam “desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”, não pode restringir a amplitude dos estudos. A educação básica é, por definição, mais ampla que a superior e deve concorrer para a formação integral dos alunos.

Atribuir os problemas de evasão e não aproveitamento no ensino médio ao currículo extenso e fragmentado é, no mínimo, fazer uma análise simplista da questão, desconsiderando variáveis importantes, como a formação inicial e continuada dos docentes, as condições de trabalho dos profissionais da educação e as condições sociais de vida dos alunos. Além do mais, não se resolve a fragmentação de conteúdos reduzindo o número de disciplinas, mas sim numa mudança conceitual e metodológica, que leve à  interdisciplinaridade no trabalho da equipe de educadores.

Mas o ponto que mais nos chama a atenção na proposta do governo é a ênfase dada na formação técnica e profissional, deixando claro o objetivo de retomada do antigo ensino profissionalizante no ensino médio. Em suma, o que os atuais dirigentes da Nação querem é reduzir a amplitude dos conhecimentos dos estudantes secundaristas, precarizar sua formação,  incentivando-os a escolher precocemente uma profissão e, com isso, atender mais aos interesses do mercado por mão de obra barata, com trabalhadores bem treinados a executar determinadas funções, do que formar cidadãos autônomos, com consciência das relações que compõem o mundo do trabalho. Resta, pois, um modelo formativo tecnicista que favorece a lógica do mercado e não o desenvolvimento integral da pessoa e da sociedade.

Por fim, cabe ressaltar a contradição que o governo incorre ao propor uma mudança de tal envergadura no ensino médio, prometendo, inclusive, recursos para sua implantação, no momento em que envia para o Congresso Nacional um Projeto de Emenda Constitucional que congela investimentos nas áreas sociais por até 20 anos. Fica a pergunta: como ampliar a carga horária no ensino médio sem investir na infraestrutura das escolas para adequá-las à permanência dos alunos por mais tempo e para dotá-las das condições de um ensino de qualidade, com refeitórios, laboratórios, bibliotecas, salas de informática, por exemplo? Além de tudo, a emenda constitucional vai impedir a realização de novos concursos públicos. E, como os Estados vão contratar professores habilitados nas áreas específicas do currículo, para suprir as vagas hoje existentes?

A ameaça de um grande retrocesso na educação está posta. Haverá resistência na sociedade capaz de barrá-la? Estudantes de 19 Estados e do Distrito Federal deram seu recado, ocupando 1.197 escolas. Suas vozes serão levadas em conta? Teremos como vencer o clima de apatia e resignação que toma conta do conjunto da sociedade brasileira hoje? Pois bem, ou fazemos a luta organizada de resistência às medidas anunciadas, ou muitos pacotes de maldades ainda cairão sobre nossas cabeças.