segunda-feira, 8 de agosto de 2016

10 ANOS DA LEI MARIA DA PENHA



A Lei de proteção à mulher vítima da violência doméstica, a qual recebeu o nome da farmacêutica brasileira Maria da Penha, que lutou para que o ex-marido fosse punido, depois de seguidas agressões que a deixaram paraplégica, completou dez anos no último dia 07 de agosto. Sem dúvida, representou uma grande conquista em nosso país, fruto da evolução social e histórica dos direitos das mulheres, que precisa se tornar mais conhecida e ser aplicada com efetividade, a fim de contribuir para a redução dos elevadíssimos índices de mulheres que são vítimas das mais variadas formas de agressões a sua integridade física e psicológica. 

Não tem sido fácil o enfrentamento à violência contra as mulheres, uma vez que esta não é fruto de um comportamento masculino determinado por sua natureza biológica, mas, resultado de uma construção histórico-social que resultou no que chamamos de uma cultura machista, onde os homens assumiram atitudes de superioridade e posições de poder em relação às mulheres. Posturas sexistas dos homens foram ensinadas e transmitidas de pais para filhos, de geração em geração, e relegaram a condição feminina ao espaço doméstico e numa situação de subalternidade. Alterar essa realidade requer, além de punir atos criminosos contra as mulheres, mudança de mentalidade, internalização de novos valores, superação de preconceitos e a construção social da perspectiva da igualdade material de gênero.

Dados divulgados pela Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, a partir das denúncias recebidas pelo Ligue 180, revelaram que, entre janeiro e outubro do ano passado de 2015, foram mais de 63 mil casos de violência contra a mulher, número equivalente a um relato a cada 7 minutos. Uma verdadeira epidemia, uma realidade que reclama a mobilização da sociedade e a articulação de uma rede de proteção e defesa das mulheres vitimizadas, além da implementação de ações preventivas.  

Embora as estatísticas possam traçar o perfil da mulher agredida, revelando uma maioria negra, de baixa renda e pouca escolaridade, é importante ressaltar que a violência vitimiza mulheres de todas as idades, etnias, graus de instrução e condição socioeconômica, sendo, portanto, uma questão de gênero. Muitas vezes, os casos referentes às pessoas de classes mais altas não chegam a entrar nas estatísticas, pois ficam restritos aos escritórios e clínicas particulares, não sendo registrados em delegacias e hospitais. Estas são áreas mais frequentadas pelas pessoas de baixa renda. Outros tantos casos não são denunciados pelas mulheres por medo das ameaças que sofrem ou por falta de conhecimento dos seus direitos.

Não é uma tarefa simples para a mulher vítima de violência denunciar seu agressor. Os principais complicadores são que, na maioria dos casos, a agressão ocorre no ambiente doméstico e no contexto da relação de um casal, onde o agressor é seu companheiro. A situação pode envolver vínculo afetivo, presença de filhos, dependência econômica, o que leva a mulher, muitas vezes, a se submeter à opressão e a silenciar. É aqui que está a importância da Lei Maria da Penha, como um dos principais instrumentos de empoderamento das mulheres na luta contra a violência que sofrem.

A Lei 11.340/2006 veio corrigir um grave problema da justiça brasileira, que acabava sendo conivente com crimes de violência doméstica, por falta de instrumentos legais que possibilitassem a apuração mais rápida e a punição desses crimes, além da proteção imediata das vítimas. Antes do advento da Lei, os casos de violência doméstica eram levados aos juizados especiais criminais, responsáveis pelo julgamento de crimes considerados de menor potencial ofensivo e, quando não eram arquivados, resultavam na condenação do agressor a pagar uma multa ou a doar cestas básicas, por exemplo. Não havia previsão de decretação de prisão preventiva ou flagrante do agressor.

Hoje, as denúncias de violência doméstica contra a mulher são levadas aos juizados especializados, onde os juízes podem decretar a prisão do agressor, ou, de acordo com os riscos que a mulher corre: determinar o afastamento do suspeito da casa da vítima e proibir seu contato com a mesma e seus familiares; estabelecer a inclusão de mulheres dependentes economicamente de seus agressores em programas de assistência governamentais, além de obrigar o agressor ao pagamento de pensão à vítima.

Assim, nota-se que a Lei Maria da Penha representou uma importante conquista das mulheres contra a violência e a impunidade. Passou a ser um ponto de partida para novas leis, como a lei do feminicídio, por exemplo, e novas políticas públicas voltadas à ampliação dos direitos e do empoderamento das mulheres na sociedade brasileira.  Porém, a lei por si só não transforma a realidade. Para que produza os efeitos, para a qual foi elaborada, deve ser de domínio de todas as mulheres, e necessita do suporte de uma rede de atendimento e proteção às mulheres vítimas de violência, qual seja, delegacias especializadas da mulher em regime de 24 horas de atendimento, nos finais de semana, inclusive; promotorias e defensorias públicas da mulher; juizados especializados; casas de acolhimento; e centros de atendimento públicos às mulheres.

Essa conquista não admite retrocessos. Hoje, tramitam no Congresso Nacional mais de 60 projetos de alteração da Lei Maria da Penha, alguns deles extremamente prejudiciais ao enfrentamento da violência doméstica contra as mulheres, como o que atribui à autoridade policial a concessão de medidas protetivas de urgência ou o que propõe a substituição da palavra gênero por sexo feminino. É imprescindível o combate à violência, produzida pela cultura machista, que naturaliza a opressão e a violação da dignidade das mulheres.

Lei Maria da Penha: ferramenta de luta contra a violência doméstica; meio de garantia de proteção e defesa; instrumento de resgate da cidadania das mulheres; símbolo da luta pela igualdade de gênero. Nenhum passo a trás. Nenhum direito a menos para as mulheres.

 


       

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