quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Exigência da carteira de vacinação no serviço público

 



Os negacionistas estão me atacando por causa do meu projeto de lei que determina a exigência da carteira de vacinação para os servidores públicos estaduais no ambiente de trabalho. Já me chamaram de nazista, fascista, autoritário e tudo o mais. Não me incomodo com as críticas que vêm de pessoas que se colocam contra a ciência e não seguem as recomendações dos infectologistas e de outros especialistas em saúde pública. Eles alegam que a medida é autoritária e fere o direito a liberdade individual das pessoas.

Antes de mais nada, sugiro que estas pessoas visitem os textos da filosofia que tratam do conceito de liberdade, para que aprendam de uma vez por todas que a liberdade individual tem seus limites, como por exemplo, o de não atentar contra a vida e a liberdade de outras pessoas. No sentido político, a liberdade civil ou individual é o exercício de sua cidadania dentro dos limites da lei e respeitando os direitos dos outros. Ninguém é livre para contaminar seus semelhantes com um vírus que pode levar as pessoas a formas graves de uma doença, e que, em alguns casos, pode matar. Quem quer livremente colocar em risco sua própria saúde, que não atentem contra a saúde dos seus semelhantes. Isso não é eticamente aceitável. Ah, e não me venham falar que a vacina está matando as pessoas e que já existem mais de 20 mil mortos por causa dela. Por favor, não espalhem fake News! Já está mais do que comprovado que, à medida em que avança a vacinação no país, diminui consideravelmente os casos de contaminações e de mortes. Hoje, os casos graves de pacientes internados em Mato Grosso do Sul são de não vacinados.

A Fiocruz recentemente recomendou o passaporte vacinal como exigência nos diversos ambientes de trabalho, destacando que os benefícios da proteção coletiva não são só para os trabalhadores, mas para suas famílias, crianças, colegas de trabalho e para a comunidade.  

Em um momento em que muitos defendem o direito de não se vacinar, inclusive do “digníssimo” presidente da República e do seu ministro da Saúde (o que é um verdadeiro absurdo!), somos defensores do direito da maioria da população que deseja retomar suas atividades em escolas, universidades, espaços de lazer, academias, restaurantes, igrejas e, principalmente, suas rotinas nos ambientes de trabalho, da forma mais segura possível, incorporando os cuidados recomendados pela ciência e pelos especialistas no assunto.

Servidores públicos prestam serviços à população, sendo que muitos destes são considerados essenciais, como os serviços em unidades de saúde, escolas, unidades de segurança, entre outros, e, portanto, têm o dever de se imunizar para não colocar em risco a saúde de seus colegas de trabalho, bem como dos cidadãos que buscam por atendimento nas repartições públicas. 

Nosso dever, enquanto agentes públicos, é o de zelar pelo direito à saúde de todos os cidadãos, seguindo o que preconiza a ciência. Num período de pandemia, quando ainda não existem formas de tratamento da doença, vacinar-se é um ato de proteção da própria saúde e uma atitude ética de respeito para com a saúde da coletividade. 


Vacina para todos! A vida acima de tudo!

domingo, 21 de novembro de 2021

DEMOCRACIA SEM FAKE NEWS

 


Nesta semana, recebi de um amigo um áudio gravado por uma pessoa que desconheço, que está circulando em grupos de servidores públicos no whatsapp, dizendo que eu estaria contra o reajuste salarial do funcionalismo estadual proposto pelo governo e, que até, pediria vistas do projeto para atrasar a votação e impedir que o mesmo fosse aprovado ainda neste ano. Quem me conhece sabe da minha história em defesa dos trabalhadores do setor público e privado, o quanto já enfrentei embates com os governos, inclusive do meu partido, para cobrar a valorização das categorias de servidores, e quantas vezes intermediei negociações salariais na Assembleia Legislativa. Por isso, não posso acreditar que a pessoa que gravou o áudio e o divulgou para um público específico, interessado no assunto, seja alguém mal informado. Ao contrário, trata-se de mais um produtor de fake news, com claros objetivos de prejudicar minha imagem e a do meu partido junto aos servidores. Esta é uma prática que, além de repugnante e antiética é, também, criminosa.

A disseminação de notícias falsas no campo da política não é novidade. Na história do Partido dos Trabalhadores, então, não foram poucas as vezes em que se procurou vincular a imagem do partido à desordem, por apoiar greves; ao comunismo, por defender políticas de inclusão social; e a atentar contra a propriedade privada, por defender a reforma agrária e a demarcação de terras indígenas. Lideranças do partido foram criminalizadas e atacadas com mentiras divulgadas sistematicamente. Quem não se lembra das notícias propagadas nas eleições de 2014, de que a então candidata Dilma Roussef aprovaria a descriminalização do aborto, caso fosse eleita? E as histórias do Kit-gay? Lembram quando afirmavam que o Lulinha, filho do ex-presidente Lula, era proprietário da JBS? Só para ficar em alguns exemplos. Esta prática foi aprimorada e profissionalizada com o surgimento das redes sociais, enquanto instrumento de uma verdadeira guerra eleitoral no mundo virtual.

A expressão fake news passou a ser conhecida e amplamente utilizada em nosso vocabulário a partir de 2016, nas eleições americanas que elegeram Donald Trump, em razão da divulgação em massa nas redes sociais de muitas mentiras pelos apoiadores de sua campanha. Aqui no Brasil, a mesma estratégia eleitoral passou a ser utilizada nas eleições de 2018, contribuindo com a vitória nas urnas do então candidato, simpatizante de Trump, Jair Bolsonaro. E, para alimentar a rede de disseminação das notícias falsas, muito dinheiro foi investido na contratação de profissionais e na montagem da rede de multiplicadores das mensagens. E a prática continua de vento em popa, para tentar manter a base de sustentação do presidente na sociedade e criar os factoides, que têm por objetivo desviar a atenção da população dos problemas que seu governo não consegue resolver.

Desta forma, o que já temos clareza hoje é que, não se tratam apenas de simples notícias falsas que são divulgadas por profissionais da comunicação. São conteúdos muito bem pensados e divulgados, com status de verdades, para alimentar uma rede de apoiadores, que não têm o cuidado e a prática de checar a veracidade das informações que recebem, e passam a fazer o trabalho voluntário de reproduzir os conteúdos em seus grupos e contatos nas redes sociais. Ao receitar cloroquina para tratamento da covid, incentivar aglomerações de pessoas sem a proteção das máscaras e colocar em dúvida a eficácia das vacinas, por exemplo, o presidente da República planejou uma situação para se alcançar a chamada imunidade de rebanho no país, e não prejudicar o andamento das atividades econômicas, mesmo que tal objetivo custasse a vida de centenas de milhares de brasileiros. Trata-se de uma estratégia com objetivos políticos bem definidos, que forma uma base de apoio manipulada e pronta a fazer a defesa, muitas vezes de maneira cega e irracional, das ideias do seu líder maior.

Foi assim que passamos a viver uma era de desinformação, de discussões rasas e apaixonadas, com argumentos mais na esfera da crença do que da ciência. Hoje está muito difícil debater com determinadas pessoas que navegam nas redes das fake news e que vêm o presidente da República como o homem de bem, apoiado em princípios cristãos, defensor da família tradicional e libertador da nação do perigo do comunismo. Bastou fazer um discurso como representante de valores morais e utilizar o slogan “Deus acima de todos” para conquistar amplo apoio entre evangélicos pentecostais e católicos tradicionalistas. E além de manipular o sentimento religioso nas pessoas, ele sabe muito bem direcionar a atenção da sociedade para falsos problemas e situações fabricadas, como o tratamento precoce contra covid, a polêmica do voto impresso, o possível golpe de estado no dia 7 de setembro, o STF que não o deixa governar, fazendo com que os problemas reais do país - inflação, desemprego, fome, miséria -, fiquem em segundo plano nas discussões.   

O show de mentiras e afirmações imprecisas do presidente já se tornou sua marca principal e se tornou conhecida até mesmo no cenário internacional. Sua participação na abertura da Assembleia Geral da ONU foi um verdadeiro fiasco, que tão somente acenou para sua base eleitoral no Brasil, tentando passar a ideia de um governo bem-sucedido, exitoso na política econômica e ambiental e de enfrentamento à pandemia. Teve a audácia de defender, diante das delegações do mundo todo, o uso de medicamentos sem eficácia para a Covid-19, mostrando-se ainda favorável ao ‘tratamento precoce’ e contra medidas sanitárias mundialmente reconhecidas, como o lockdown, uso de máscaras e distanciamento social. Disse que não há corrupção em seu governo, mesmo com as revelações da CPI do Senado de esquema de compra de vacinas com preços superfaturados e pagamento de propinas; afirmou que o BNDES financiava obras em países comunistas sem garantias; que a legislação ambiental brasileira é a mais completa do mundo; que foram criados 1,8 milhão de novos empregos neste ano; que as manifestações de apoio ao seu governo em 7 de setembro foram as maiores da história do país. E, como não poderia deixar de fazer para completar sua peculiar oração, reafirmou os valores cristãos, defendeu a família tradicional e disse ter afastado o Brasil do socialismo.

É importante dizer que Bolsonaro não quis passar uma mensagem para o mundo. Os países conhecem muito bem a real situação que estamos vivendo em terras tupiniquins. Sabem da nossa crise econômica, do aumento da inflação, dos 14 milhões de desempregados, da volta do país ao Mapa da Fome, dos retrocessos na área ambiental e da desastrosa política de enfrentamento à pandemia, que já ceifou a vida de mais de 610 mil pessoas. O presidente brasileiro ocupou a tribuna da Organização das Nações Unidas para se dirigir aos seus apoiadores brasileiros e reforçar sua pré-campanha à reeleição em 2022. Quis, tão somente, reafirmar-se como homem de coragem para dizer o que disse perante o mundo, sendo o “mito” que seus eleitores conheceram em 2018 e que não abre mão de defender o que mais lhe importa, ou seja, ele mesmo. 

Desta forma, temos entre nós um exemplo perfeito de como ganhar eleições e governar utilizando-se de fake news, como a arte de dizer mentiras com aparência de verdade, para formar a opinião de uma multidão de seguidores que se tornam defensores de seu projeto de poder. Por trás da pauta dos costumes, de defesa da família tradicional, dos valores cristãos e da moral, está a política neoliberal, que aprofunda as desigualdades sociais, privatiza e promove o desmonte do Estado e ataca as políticas públicas sociais. Os pobres e a classe média remediada passam a apoiar seu discurso, com medo da “ameaça comunista”, mesmo sem saber explicar o que seria tal ameaça.

Fake News é isto: instrumento bem planejado de manipulação das massas! Representam não só um ataque ao direito das pessoas de acesso às informações verdadeiras, mas comprometem a própria democracia, conquanto deturpam o debate de projetos e propostas e impedem a escolha consciente do que consideram ser melhor para o futuro do país. Faz mal à saúde, à educação, ao meio ambiente, enfim, à construção de um projeto de Brasil mais justo e solidário. Às pessoas de bom senso e comprometidas com a democracia cabe a responsabilidade de atuarem no sentido de se restabelecer neste país o debate sério sobre os reais problemas que preocupam a maioria do nosso povo, na perspectiva da busca de soluções a curto, médio e longo prazo. Somos uma grande nação e temos um povo valoroso. Precisamos de dirigentes sérios e responsáveis para dirigir nossos destinos.

 

terça-feira, 16 de novembro de 2021

Enem com a cara do Governo

 


Faltando pouco mais de uma semana para a realização do Exame Nacional do Ensino Médio, 37 funcionários do Inep – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, órgão responsável pelas provas, pediram demissão de seus cargos, alegando censura, falta de comando técnico, clima de insegurança e medo na instituição. Segundo denunciaram em entrevista ao Fantástico do último domingo, o Presidente do Inep, Danilo Dupas, teria ido até a sala segura onde as provas ficam armazenadas e lido as questões montadas pelas equipes técnicas. Depois disso, teria solicitado a exclusão de mais de vinte questões das provas. “Eram questões que tratavam principalmente da história recente do país, dos últimos 50 anos. Sob o ponto de vista da equipe técnica, não havia qualquer reparo pedagógico a ser feito na primeira versão da prova”, afirmaram.

Enquanto este absurdo acontecia na preparação do mais importante processo avaliativo de estudantes para o ingresso nas universidades públicas brasileiras e de muitas particulares, o presidente da República, em entrevista concedida durante sua viagem a Dubai, afirmava: "começam agora a ter a cara do governo as questões da prova do Enem. Ninguém precisa ficar preocupado. Aquelas questões absurdas do passado, que caíam tema de redação que não tinha nada a ver com nada. Realmente, algo voltado para o aprendizado."

Confesso que nada mais me causa surpresa neste desgoverno do Brasil, mas fiquei completamente indignado com esta situação. É absolutamente inadmissível que isto aconteça: interferência política no conteúdo de um exame para atender à linha ideológica de um governo anti-ciência, negacionista, despreparado, autoritário, que joga a todo momento com a desinformação da população. Isso me lembra a censura da ditadura militar brasileira, instalada no golpe de 1964, quando professores de história eram perseguidos e os conteúdos do que se ensinava nas escolas passavam pelo crivo do governo.

Não dá para aceitar que o Presidente do Inep, que segundo funcionários do órgão é extremamente despreparado para exercer o cargo que ocupa, pegue uma prova e saia riscando os itens por não gostar ou não aprovar seu conteúdo, obrigando o corpo técnico a refazer a prova por duas vezes. Isso representa um grande retrocesso, tanto para a instituição, quanto para o Exame Nacional, que vinha avançando em organização, eficiência e credibilidade nos últimos anos. O Inep tem 84 anos de existência e, vinculado ao Ministério da Educação, é uma das maiores e mais especializadas instituições de avaliação educacional do mundo. As provas do Enem, compostas por 180 questões retiradas do Banco Nacional de Itens, onde se encontram milhares de questões, são elaboradas por professores selecionados através de um edital.

A preocupação do governo federal deveria ter sido com a situação de milhões de estudantes pobres brasileiros, que não tiveram condições de se preparar adequadamente para as provas no período da pandemia, uma vez que não tiveram os recursos tecnológicos necessários para acompanhar o ensino remoto ou, até mesmo, tiveram que deixar de estudar para correr atrás da sobrevivência. O descaso do presidente da República com os empobrecidos deste país chega a causar revolta.

Nos próximos finais de semana, 3.109.762 estudantes, o menor número de inscritos no Enem desde 2005, vão buscar uma vaga no ensino superior, sonhando com um futuro melhor por meio da sua formação acadêmica. Infelizmente, o exame a que vão se submeter tem a cara desse governo. Lamento que esta geração de alunos tenha que passar por estes momentos sombrios. Espero que em breve possamos voltar a viver tempos de conquistas, avanços e progressos na Educação do Brasil. Vamos esperançar! 

terça-feira, 5 de outubro de 2021

Haverá espaço para uma terceira via nas eleições para presidente?


Pelo menos até o momento, parece não haver espaço no cenário político, há um ano das eleições de 2022, para o surgimento de uma candidatura que se apresente como uma opção a Lula e Bolsonaro. Segundo pesquisas de intenção de votos, temos hoje uma polarização na preferência do leitorado entre o candidato do PT e o atual presidente da República, da extrema direita. Os últimos levantamentos apontam que entre 22% e 24% votariam em Bolsonaro, e que o ex-presidente Lula vem crescendo a ponto de estar perto de uma vitória ainda no primeiro turno, caso as eleições fossem hoje.   

Diante deste cenário, partidos e políticos da direita e do centro discutem a viabilização de uma candidatura presidencial para se tornar o que chamam de terceira via, ou seja, nem Lula nem Bolsonaro. Neste caso, os partidos teriam que abrir mão de lançar vários nomes para a corrida presidencial e apoiar um único nome, que pudesse angariar apoio popular e chegar ao segundo turno das eleições, devendo obrigatoriamente derrotar um dos dois candidatos que aparecem melhor colocados na preferência dos brasileiros na atual conjuntura.   

A menos que estejam fazendo "balão de ensaio", acredito que há uma indisposição de alguns nomes desse campo político de abrirem mão de suas candidaturas. No PSDB existe, até mesmo, dois nomes disputando a indicação do partido, que seria resolvida com a realização de prévias entre os governadores de São Paulo, João Doria, e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite. Os dois têm percorrido os estados atrás de apoio dos correligionários e parecem dispostos a seguir até o fim. Ciro Gomes, que disputou a última eleição presidencial, em 2018, ficando em terceiro lugar, mostra-se candidatíssimo, criticando o governo federal e, até de forma mais ácida ainda, atacando a candidatura de Lula, para se tornar a alternativa anti-Bolsonaro. Além destes, ensaiam uma pré-candidatura, o ex-ministro Sérgio Moro, hoje morando nos EUA, o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, Simone Tebet do MDB, que tem se destacado nas oitivas da CPI da Covid, Alessandro Vieira, do Cidadania, e, saindo das sombras para "salvar" o país do caos institucional ameaçado por Bolsonaro e dar seus pitacos na política, o ex-presidente Michel Temer.  

 Alguns movimentos mais concretos têm sido provocados pela direita para a viabilização de uma terceira via nas eleições de 2022, como as manifestações promovidas pelo Movimento Brasil Livre (MBL) no dia 12 de setembro, em contraposição às de apoio ao presidente no dia da Independência. Também a golpista Rede Globo procura ajudar a viabilizar a terceira via, promovendo uma entrevista no último dia 26 de setembro com os pré-candidatos Ciro Gomes (PDT), Luiz Henrique Mandetta (DEM) e Alessandro Vieira (Cidadania). A poderosa rede de televisão, que não quer mais Bolsonaro, por estar tendo muito prejuízo financeiro em seu governo com o corte das verbas publicitárias oficiais, embora apoie sua política econômica, tem se esmerado incansavelmente em desgastar Bolsonaro, sua família e seus apoiadores. Por outro lado, não quer a volta de Lula, o qual tem denunciado o papel que a emissora desempenhou no golpe contra a ex-presidenta Dilma, no apoio à Lava Jato e a Sergio Moro e na sua condenação e prisão, formando uma opinião pública massiva contra o PT e suas lideranças. Porém, até o presente momento, as tentativas de unificação da direita não estão dando sinais de sucesso.   

No meu entendimento, se não houver uma mudança brusca no cenário político atual, como por exemplo, o impedimento do presidente da República e a declaração de sua inelegibilidade, não vejo como a eleição não ser polarizada entre Lula, que traz consigo o legado de oito anos de governo bem sucedido nas políticas públicas sociais, na geração de empregos e distribuição de renda, na condução da política econômica e nas relações internacionais, e Bolsonaro, que tem uma base social de apoio radicalizada em defesa do seu ideário conservador e ultraliberal.    

Não sou partidário da ideia de uma "frente ampla" com o intuito apenas de derrotar Bolsonaro. O problema não está só em tirar o presidente do poder, mas em derrotar seu programa e sua política econômica. Setores da direita, por exemplo, são contra Bolsonaro, mas apoiam Paulo Guedes, que defende o estado mínimo, as privatizações e, consequentemente, o desmonte do estado, a precarização dos serviços públicos, a redução dos direitos da classe trabalhadora e uma política internacional subserviente. Aliás, muitos que agora se apresentam como opção a Bolsonaro, estiveram no seu palanque em 2018 e contribuíram para levar o Brasil para este desgoverno que estamos vivendo. Teve até quem fosse passear em Paris, a fim de não ajudar Haddad a enfrentar a extrema-direita no segundo turno. Neste sentido, penso que seria salutar que os partidos lançassem seus candidatos e se propusessem a debater um programa para o país nos próximos anos. Meu sentimento, contudo, é que a maioria do povo brasileiro quer o fortalecimento da democracia, um governo que promova a justiça social, induza o desenvolvimento com sustentabilidade ambiental e projete o Brasil no cenário internacional com altivez e soberania.



terça-feira, 28 de setembro de 2021

A polêmica sobre os aumentos dos combustíveis: de quem é a culpa?

 

 


 

Encher o tanque do carro está ficando, quase que semanalmente, mais dispendioso. O preço médio da gasolina subiu no Brasil pela oitava semana consecutiva, acumulando uma alta de 51% nas refinarias, e o litro na bomba ultrapassou em muito os R$ 6 e, em algumas cidades brasileiras mais de R$ 7, tornando-se um dos principais itens a impactar a inflação neste ano, elevando consideravelmente o custo de vida das famílias brasileiras, especialmente das camadas mais pobres da população. A alta dos combustíveis já levou 25% dos motoristas de aplicativo a desistir de trabalhar nas plataformas, o que vinha sendo uma alternativa de renda para muitos trabalhadores desempregados.

 

Tenho recebido, com frequência, mensagens de pessoas que cobram uma posição sobre a alíquota do ICMS da gasolina, algumas chegam a sugerir, inclusive, que eu apresente um projeto de lei para redução do imposto. Elas acreditam ser este o principal problema da alta dos combustíveis, aliás, ideia que foi amplamente difundida pelo presidente da República para desviar o foco da questão. Este assunto virou motivo de embate entre o presidente e os governadores, com o primeiro cobrando publicamente que os estados reduzam o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para que, dessa forma, os preços da gasolina e do diesel recuem. Além de explicar aos meus interlocutores que um projeto de lei dessa natureza não é da competência do deputado estadual, e que só pode ser de iniciativa do poder executivo, tenho procurado esclarecer-lhes que as constantes majorações dos preços dos combustíveis não têm relação com o imposto cobrado, mas com a política de preços adotada pela Petrobrás, desde o governo Michel Temer. Durante o governo Dilma, para se evitar uma escalada da inflação, evitava-se reajustar os preços dos combustíveis, e também da energia elétrica, utilizando a Petrobrás como uma forma de absorver os impactos de preços, evitando o repasse para o consumidor final. Foi uma política de subsídio governamental, para não onerar o custo de vida da população. Mas, voltando, caso o governo estadual optasse por reduzir o ICMS da gasolina, obviamente que haveria, num primeiro momento, uma queda nos valores praticados nos postos, porém os preços continuariam subindo posteriormente, como está ocorrendo agora. O que ocorre, então?

 

Por serem derivados do petróleo, os combustíveis acompanham o valor da commodity no mercado internacional, pressionado pela alta da demanda, à medida que as economias voltam a funcionar. Depois da crise provocada pela pandemia, a economia mundial deve ter um forte crescimento neste ano, o que aumenta a busca pela commodity (petróleo) e, consequentemente, ajuda a puxar os preços para cima. Além disso, temos uma forte desvalorização do real frente ao dólar, elevando a cotação do petróleo, que acarreta grande impacto no custo de vida dos brasileiros, passando a pagar mais caro por alimentos, energia elétrica e outros bens e serviços.

 

Precisamos entender que a formação dos preços da gasolina e do diesel hoje é composta pelo preço praticado pela Petrobrás nas refinarias, pelo custo do etanol adicionado aos demais combustíveis, mais os tributos federais (PIS/Pasep, Cofins e Cide) e estadual (ICMS), além do custo de distribuição e revenda. A variação de todos esses itens são o que determina o preço final nas bombas do combustível. Contudo, o principal fator de aumento dos preços hoje é o câmbio, ou seja, a desvalorização do real frente ao dólar, sendo que o petróleo já esteve num valor acima do atual, e o combustível não custava o que custa hoje. Essa perda de valor da moeda brasileira vem ocorrendo muito em razão das incertezas e descontroles da política econômica do governo federal, agravada pela crise política e institucional provocadas pelo presidente Bolsonaro, ameaçando a realização das eleições e os demais poderes com uma pretensa ruptura da ordem democrática. Este quadro da economia e da política no país afugenta investidores internos e externos, provocam a fuga dos dólares e impedem a valorização do real, que poderia contribuir com a queda do preço dos combustíveis. A demanda por real diminui, a demanda por dólar aumenta, e a moeda brasileira perde valor. Essa é a lógica do mercado.

 

Vejam que o problema é muito mais complexo do que cobrar dos governadores que abram mão do ICMS, que poderia impactar as finanças dos estados, sem resolver o problema de fundo. O imposto estadual, de fato, tem grande peso sobre o valor na bomba. A alíquota varia entre os estados: no caso da gasolina, chega a 30% em alguns locais, como é o caso do Mato Grosso do Sul. Essas alíquotas, no entanto, não subiram – mas o valor pago pelos consumidores sim. O imposto é cobrado em cima de uma estimativa de preço médio pago pelos consumidores; assim, se o preço sobe na bomba, os governos estaduais podem subir a estimativa de preço médio sobre o qual o ICMS incide. Porém, de fevereiro para cá, embora o valor pago em ICMS tenha subido, a participação do tributo no preço total da gasolina caiu: naquele mês, representava 29% de todo o valor pago na bomba; em agosto, era 27,5%, segundo dados da Petrobras.

 

Sendo assim, o fim dos aumentos dos combustíveis no Brasil depende de uma mudança na política de preços praticada pela Petrobrás, de um programa de retomada do crescimento econômico, que este governo não tem capacidade de produzir, e do fim das crises político-institucionais provocadas pelo presidente da República, que só se preocupa em alimentar sua base eleitoral com vistas as eleições de 2022. Como afirmou o próprio Bolsonaro, em discurso no dia 27/09: “Nada está tão ruim que não possa piorar”. E, infelizmente, vai piorar.

quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Especialista em fake news, Bolsonaro protagoniza show de mentiras na ONU e dá continuidade à sua pré-campanha eleitoral.


 

A expressão fake news passou a ser conhecida e amplamente utilizada em nosso vocabulário a partir de 2016, nas eleições americanas que elegeram Donald Trump, em razão da divulgação em massa nas redes sociais de muitas mentiras pelos apoiadores de sua campanha. Aqui no Brasil, a mesma estratégia eleitoral passou a ser utilizada nas eleições de 2018, contribuindo com a vitória nas urnas do então candidato, simpatizante de Trump, Jair Bolsonaro. E, para alimentar a rede de disseminação das notícias falsas, muito dinheiro foi investido na contratação de profissionais e na montagem da rede de multiplicadores das mensagens. E a prática continua de vento em popa, para tentar manter a base de sustentação do presidente na sociedade e criar os factoides, que têm por objetivo desviar a atenção da população dos problemas que seu governo não consegue resolver.

Desta forma, o que já temos clareza hoje é que, não se tratam apenas de notícias falsas que são divulgadas pelos profissionais da extrema direita. São conteúdos muito bem pensados e divulgados, com status de verdades, para alimentar seus apoiadores, que não têm o cuidado e a prática de checar a veracidade das informações que recebem, e passam a fazer o trabalho voluntário de reproduzi-los em seus grupos e contatos nas redes sociais. Ao receitar cloroquina para tratamento da covid, por exemplo, o presidente planejou uma situação para se alcançar a pretensa imunidade de rebanho no país, mesmo que tal objetivo custasse a vida de centenas de milhares de brasileiros. Trata-se de uma estratégia com objetivos políticos bem definidos, que forma uma base de apoio manipulada e pronta a fazer uma discussão, às vezes cega e irracional, em favor das ideias seu líder maior.

Foi assim que passamos a viver uma era de desinformação, de discussões rasas e apaixonadas, com argumentos mais na esfera da crença do que da ciência. Hoje está muito difícil debater com determinadas pessoas que navegam nas redes das fake news e que vêm o presidente da República como o homem de bem, apoiado em princípios cristãos, defensor da família tradicional e libertador da nação do perigo do comunismo. Bastou fazer um discurso como representante de valores morais e utilizar o slogan “Deus acima de todos” para conquistar amplo apoio entre evangélicos pentecostais e católicos tradicionalistas. E além de manipular o sentimento religioso nas pessoas, sabe muito bem direcionar a atenção da sociedade para falsos problemas e situações fabricadas, como o tratamento precoce contra covid, a polêmica do voto impresso, o possível golpe de estado no dia 7 de setembro, o STF que não o deixa governar, fazendo com que os problemas reais do país - inflação, desemprego, fome, miséria -, fiquem em segundo plano nas discussões.   

O show de mentiras e afirmações imprecisas do presidente ganhou, mais uma vez, o cenário internacional com a sua participação na abertura da Assembleia Geral da ONU, neste último dia 20 de setembro. Como se não bastasse o vexame de comer pizza na calçada com sua comitiva, em razão de ser impedido de entrar em restaurantes por não estar vacinado, o chefe de Estado brasileiro, em seu discurso de pouco mais de 10 minutos, tão somente acenou para sua base eleitoral no Brasil, tentando passar a ideia de um governo bem sucedido, exitoso na política econômica e ambiental e de enfrentamento à pandemia. Teve a audácia de defender, diante das delegações do mundo todo, o uso de medicamentos sem eficácia para a Covid-19, mostrando-se ainda favorável ao ‘tratamento precoce’ e contra medidas sanitárias mundialmente reconhecidas, como o lockdown, uso de máscaras e distanciamento social. Disse que não há corrupção em seu governo, mesmo com as revelações da CPI do Senado de esquema de compra de vacinas com preços superfaturados e pagamento de propinas; afirmou que o BNDES financiava obras em países comunistas sem garantias; que a legislação ambiental brasileira é a mais completa do mundo; que foram criados 1,8 milhão de novos empregos neste ano; que as manifestações de apoio ao seu governo em 7 de setembro foram as maiores da história do país; deu a entender que pagou um auxílio emergencial de U$ 800 mensal para pessoas de baixa renda. E, como não poderia deixar de fazer para completar sua peculiar oração, reafirmou os valores cristãos, defendeu a família tradicional e disse ter afastado o Brasil do socialismo.

É importante dizer que Bolsonaro não quis passar uma mensagem para o mundo. Os países conhecem muito bem a real situação que estamos vivendo em terras tupiniquins. Sabem da nossa crise econômica, do aumento da inflação, dos 14 milhões de desempregados, da volta do país ao Mapa da Fome, dos retrocessos na área ambiental e da desastrosa política de enfrentamento à pandemia, que já ceifou a vida de 600 mil pessoas. O presidente brasileiro ocupou a tribuna da Organização das Nações Unidas, maior entidade de articulação dos países para garantia da paz mundial, de enfrentamento aos conflitos entre as nações e de busca de soluções para problemas humanitários e de proteção aos direitos fundamentais dos povos, para dirigir-se aos seus apoiadores brasileiros e reforçar sua pré-campanha à reeleição em 2022. Quis, tão somente, reafirmar-se como homem de coragem para dizer o que disse perante o mundo, sendo o “mito” que seus eleitores conheceram em 2018 e que não abre mão de defender o que mais lhe importa, ou seja, ele mesmo. 

Para alguns setores da sociedade brasileira, o presidente só falou verdades e que o seu governo vai bem, ou seja, seus negócios vão muito bem obrigado. Enquanto a comida na mesa dos brasileiros fica cada vez mais cara; muitos tendo de cozinhar com álcool ou em fogão à lenha; a boiada vai passando no Congresso para caçar direitos da classe trabalhadora; nossas águas superficiais vão diminuindo, rios vão secando e as florestas vão sendo derrubadas ou ardem em chamas, alguns aumentam extraordinariamente seus lucros com exportações de comodities ou venda de medicamentos sem eficácia para a covid, e os serviços públicos seguem sendo transferidos para a iniciativa privada. Segue a passos largos o desmonte do Estado brasileiro, tornando difícil revertê-lo nas próximas décadas. 

Às pessoas de bom senso, àqueles que desejam ver um Brasil mais justo, mais solidário e garantidor dos direitos fundamentais das pessoas, aos que creem na democracia e na soberania do país, só há um caminho a percorrer neste momento: fazer a resistência democrática, defender a Constituição e as instituições políticas, exigir a apuração dos crimes de responsabilidade praticados pelo presidente da República e abertura do processo de impeachment e organizar a sociedade para o próximo pleito eleitoral, a fim de que seja a oportunidade de vitória de um projeto de reconstrução nacional e de políticas públicas de interesse da maioria da população brasileira, recolocando o país no cenário internacional como protagonista e não como subalterno dos interesses das grandes potências econômicas. Nossa vontade de mudar o Brasil não é fake news!

segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Quem vai pagar pelas mortes das pessoas que se trataram com Kit Covid?

 


Estou me lembrando agora que, no auge da pandemia do Covid-19 no ano passado e no início deste ano, pelo menos em três ocasiões em que estive em farmácias para comprar medicamentos, escutei pessoas ao meu lado no balcão comprando Cloroquina e Ivermectina para realizarem “tratamento precoce” contra a doença. Em pelo menos numa ocasião o vendedor disse que os medicamentos estavam em falta devido à grande procura. Várias pessoas conhecidas minhas e, até mesmo familiares, fizeram uso destes medicamentos por conta própria, sem prescrição médica, porque ouviram dizer que preveniam sintomas mais graves em caso de contaminação com o novo coronavírus. É claro que essas pessoas foram influenciadas pela propaganda enganosa e criminosa promovida pelo governo Bolsonaro, seja por meio de pronunciamentos, lives e vídeos nas mídias sociais do próprio presidente, seja por recomendações do Ministério da Saúde, na contramão dos estudos científicos e orientações de especialistas da área da saúde, que concluíram pela ineficácia desses medicamentos para a prevenção ou tratamento da Covid-19. Bolsonaro, além de incentivar o uso de medicamentos sem eficácia comprovada, retardou o programa de vacinação no Brasil, pôs em dúvida a eficácia das vacinas, estimulou aglomerações enquanto cientistas orientavam o isolamento social e defendeu uma teoria de “imunidade de rebanho” sem qualquer respaldo científico.

Como é possível que um presidente da República, que não tem formação em medicina e conhecimentos técnicos na área possa prescrever medicamentos sem eficácia comprovada para uma doença nova e que ainda está sendo pesquisada em todo mundo por especialistas em saúde? Como pode um Ministério da Saúde de um país recomendar o uso de medicamentos, sendo que um deles podem apresentar efeitos colaterais graves em pacientes cardíacos, quando estudos científicos revelam ineficácia para a doença? Quanta irresponsabilidade! Quantas vidas se perderam por causa de tais procedimentos da parte dessas autoridades, que deveriam zelar pela correta condução das medidas de enfrentamento à pandemia, na perspectiva de preservar e salvar da morte as pessoas do seu país? Essas autoridades responderão por tais condutas?

A CPI da Covid no Senado Federal tem revelado situações muito graves envolvendo agentes do governo federal em conluio com lobistas e empresas, tanto em condutas negacionistas, desdenhando das medidas sanitárias recomendadas pela OMS, quanto em esquemas para o desvio de recursos públicos na aquisição de vacinas e de remédios sem eficácia para a doença. Muita gente lucrou com isso e, com certeza, muitas outras pessoas iriam se beneficiar com quantias vultosas, se não fossem pegas com a boca na botija.

Outro episódio que veio à tona recentemente, e que está sendo investigado por autoridades policiais, é o que envolve a empresa Prevent Senior, que promoveu um estudo irregular, antiético e criminoso, com falso tratamento precoce contra a Covid-19 e que matou nove pessoas, mas que impulsionou lucro recorde da empresa nos últimos cinco anos. Agora que ficou claro que cloroquina, hidroxicloroquina, ivermectina e azitromicina não funcionam – e, inclusive, podem aumentar a mortalidade por covid-19 –, a Prevent Senior passou a ser investigada pela CPI. Dossiê elaborado por médicos da empresa revelou protocolos indecentes, como impor remédios ineficazes aos pacientes nos serviços médicos do plano, submetê-los a tratamentos experimentais sem autorização de autoridades sanitárias e familiares e ocultar mortes em uma estudo feito irregularmente. A conduta da Prevent Senior não foi apenas um experimento feito por médicos negacionistas, que lembra, em certa medida, o “Estudo Tuskegee de Sífilis Não-Tratada em Homens Negros”, ocorrido no Alabama, Estados Unidos, de 1932 à 1972, e que foi uma das situações que mais contribuiu para o avanço da Bioética. Ela tinha outro propósito: dar dinheiro. Muito dinheiro. E teve como cúmplices pessoas influentes do mercado financeiro, que incentivaram e lucraram muito com a distribuição indiscriminada de kits covid para os pacientes. O protocolo de tratamento precoce da empresa teve muita propaganda grátis e o próprio presidente Bolsonaro divulgou os resultados do estudo irregular, que supostamente mostrava a eficácia da cloroquina. Desta forma, o estudo recebeu respaldo pseudocientífico e passou a alimentar no país a esperança de um tratamento que não existia.

A pergunta que fazemos é: quem vai pagar pelas mortes de pessoas que fizeram tratamento com o Kit Covid? Será que tudo vai ficar por isso mesmo?

domingo, 19 de setembro de 2021

100 anos de Paulo Freire: por que o patrono da educação irrita tanto os bolsonaristas

 


Por Vinícius Bacelar - 19/09/2021

 

Dia 19 de setembro de 1921. Há exatos 100 anos nasceu, em Recife, Paulo Reglus Neves Freire - ou, simplesmente, Paulo Freire - Patrono da Educação Brasileira. Um século depois de seu nascimento, Paulo Freire é homenageado por diversas autoridades e personalidades, como o ex-presidente Lula, o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), o ex-candidato à Presidência da República, Guilherme Boulos (PSOL), o professor Silvio Almeida, entre outros.


Porém, por outro lado, bolsonaristas têm o atacado - não só hoje, dia do centenário de seu nascimento, mas há algum tempo. O próprio filho do presidente Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro, usou suas redes sociais para criticar uma recente decisão da Justiça, que proibiu o ataque à honra do educador. "Educação do país de péssima qualidade e não se pode nem criticar o patrono desta bagunça? Isso não é justiça, é militância doentia. Nunca foi tão difícil fazer o certo e consertar o Brasil. Mas nós somos chatos e estamos certos, então vamos adiante", disse o deputado federal (PSL-SP).

Vereador de Belo Horizonte, Nikolas Ferreira (PRTB) também desaprovou tal decisão: "A justiça está preocupada em proibir o governo de "atacar a dignidade" de Paulo Freire. E a dignidade de quem é vítima dessa pedagogia?", disse o parlamentar bolsonarista.

Ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub foi ainda mais contundente: "Bilionários que controlam empresas gigantes/monopólios são de esquerda. Drogas, Paulo Freire, aborto, a destruição da SUA da família, estão na agenda deles. NÃO É COINCIDÊNCIA! Nossa luta é contra isso!", postou em seu Twitter, junto a uma print da homenagem do Google ao patrono.


Mas por que os bolsonaristas se irritam tanto com o legado de Paulo Freire, mesmo após 24 anos depois de sua morte? O iG entrevistou o professor Thiago José de Biagio, mestre em história social, para entender tal obsessão. Para o especialista, a proposta pedagógica de Paulo Freire faz um contraponto à pedagogia tradicional e hierárquica. "Ele pensava na autonomia do ser humano, principalmente, o excluído. Pensava naquele que não tinha condições de se enquadrar - ou não queria se enquadrar - no modelo de educação burguesa, no qual o professor só vai depositando informações", argumentou Biagio.


O professor também citou o livro mais famoso de Freire: "A Pedagogia do Oprimido". "A obra vai ao encontro da ideia de emancipação do sujeito, uma consciência da condição social do oprimido. A proposta do Paulo Freire é de uma educação baseada no diálogo. Há um incentivo ao questionamento e à ação social. Portanto, o professor não é o topo da hierarquia, aquele que tudo sabe", continuou Biagio. "Ele prega que não haja o medo da liberdade. Inclusive, uma frase de Paulo Freire que representa esta proposta é 'Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor'”, pontuou o professor.


Em relação ao bolsonarismo, Biagio disse que o "ódio" é o combustível dos apoiadores do presidente, inclusive do próprio líder do Executivo brasileiro. "Para eles, só existe uma verdade. So existe uma forma de se comportar e enxergar o mundo, sendo que a pedagogia do Paulo Freire estimula a autonomia. Uma perspectiva tradicional de sociedade, como é defendida pelos bolsonaristas, defende que deva haver uma hierarquia, uma obediência militar, quase cega, em relação ao professor. Paulo Freire entendia que a educação precisava ser dialógica e que o professor devia escutar seus alunos também", justificou.


Biagio ainda afirmou que os bolsonaristas prezam por uma sociedade fatalista e de medo, enquanto o patrono da Educação Brasileira pregava a "esperança e a alegria". "Portanto, aquele oprimido, que está desesperançado, deve ter na pedagogia um meio de resgatar essa esperança", disse. Em entrevista à DW Brasil, o sociólogo Abdeljalil Akkari, da Universidade de Genebra, declarou: "A essência da obra de Freire é totalmente política, no sentido nobre do termo, não no sentido da política partidária. Por isso, em todas as regiões do mundo, sua obra é lembrada como algo muito interessante para refletir sobre o futuro da educação contemporânea", analisou.


Professor do curso de pedagogia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Ítalo Francisco Curcio disse, também à DW Brasil, que os que rejeitam Paulo Freire, em grande parte, nem são especialistas em educação: "Eles acabam repetindo frases apregoadas por líderes com os quais se identifica. Isso é muito ruim. Quem padece é a própria população, desde a criança até o adulto", opinou.

Patrono da Educação Brasileira

O educador Paulo Freire (1921-1997) foi declarado oficialmente o Patrono da Educação Brasileira em 2012. A homenagem foi proposta pela então deputada Luiza Erundina (PSB-SP) e sancionada pela então presidente Dilma Rousseff, como a Lei 12.612/2012.

Paulo Freire nasceu no Recife em 1921, numa família de classe média, mas devido à crise econômica de 1929 e à morte do pai em 1934, viveu uma adolescência difícil. Apesar disso, conseguiu concluir os estudos e, em 1943, aos 22 anos, ingressou na Faculdade de Direito do Recife. Ele se formou, mas não chegou a exercer a profissão, preferindo dar aulas de língua portuguesa numa escola de segundo grau.

Em 1947, Freire assumiu o cargo de diretor de educação do Serviço Social da Indústria (Sesi), no Recife, quando passou a se interessar pela alfabetização de adultos e pela educação popular. Na década de 1950, foi professor universitário e concluiu o doutorado em Filosofia e História da Educação.

Nos anos 60, trabalhou com movimentos de educação popular e, no governo de João Goulart, coordenou o Plano Nacional de Alfabetização, com objetivo de tirar 5 milhões de pessoas do analfabetismo. Seu método, conhecido como “pedagogia da libertação”, tinha como proposta uma educação crítica a serviço da transformação social.

Em 1964, depois da ascensão dos militares ao poder, Paulo Freire foi preso e exilado. Morou na Bolívia, Chile, Estados Unidos e Suíça. No Chile, em 1968, escreveu sua obra mais conhecida: "A Pedagogia do Oprimido". Ao longo da década de 70, desenvolveu atividades políticas e educacionais em diversos países da África, Ásia e Oceania. Ele só retornou ao Brasil em 1980 com a Anistia.

Filiado ao PT, atuou em programa de alfabetização de adultos do partido. Em 1989, com a eleição de Erundina para a Prefeitura de São Paulo, foi nomeado secretário de Educação, cargo em que permaneceu até 1991. Freire morreu em maio de 1997.



segunda-feira, 6 de setembro de 2021

Vai ser o Grito da Resistência e da conjugação coletiva nas ruas do verbo esperançar, por aqueles e aquelas que têm coração generoso e coragem de lutar!

 

Estou escrevendo este texto nesta véspera do 7 de setembro deste 2021, enquanto vejo pelas redes sociais pessoas tomando as ruas da capital federal e se manifestando, muitas eufóricas, outras destilando palavras de ódio e outras, ainda, parecendo ensandecidas como que participando de um “movimento revolucionário” para livrar o país do fantasma comunista. O que desejam com as manifestações estimuladas pelo próprio presidente da República e financiadas, certamente, pelos setores econômicos que estão satisfeitos com as exportações das commodities e com a precarização dos direitos da classe trabalhadora? Querem expressar seu apoio ao presidente, que governa com a ausência do Estado e pela máxima da liberdade do deus mercado; para que permaneça no cargo, mesmo que pela força das armas. Também querem o fechamento do Supremo Tribunal Federal e a morte de dois ministros, um deles por estar atuando no combate às afrontas à Constituição e ao Estado Democrático de Direito, e o outro por ter se manifestado contra a volta do voto impresso nas eleições. Parece inacreditável estarmos vivendo tudo isso, num momento em que o país atravessa uma grave crise, agravada pela pandemia, com a econômica à deriva, com inflação em alta e mais de 14 milhões de brasileiros desempregados.  

Na última sexta-feira, dia 3, Jair Bolsonaro elevou ainda mais o tom autoritário contra os poderes da República, em particular o Judiciário. Afirmou que o 7 de setembro servirá de ultimato aos ministros do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. Ou bem eles se curvam à vontade “do povo” – ou seja, de Bolsonaro – ou ele e sua trupe jogarão fora “das quatro linhas da Constituição. Isso é uma ameaça de que, em caso de sua vontade não prevalecer sobre a lei e as instituições da democracia, vai se impor pela força? Será que teremos que ver aqui o que aconteceu nos EUA com a invasão do Capitólio por manifestantes igualmente eufóricos e ensandecidos, frustrados com a derrota do seu “mito” Trump? Acho que, se isso acontecer por aqui, será um vexame ainda maior.  

O presidente da República, que não para de criar factoides para desviar a atenção das pessoas da sua incapacidade para governar, dos crimes cometidos por membros de sua família e das denúncias de corrupção no seu governo, principalmente as reveladas pela CPI do senado, que investiga esquema de propina na compra de vacinas contra a Covid, alimenta seus apoiadores por meio da rede muito bem montada de disseminação de fake news e desperta nelas seus sentimentos mais irracionais de ódio aos pobres e a tudo que esteja ligado à luta por justiça social, respeito aos direitos humanos e convivência com as diferenças.

Mas, enquanto assistimos a estas cenas lamentáveis, estamos nos preparando para, também, sair às ruas em protesto. Há 27 anos, nós realizamos o Grito dos Excluídos no Brasil, que no início foi uma iniciativa da Igreja Católica e que depois passou a ser também organizado e realizado por movimentos sociais e sindicais de trabalhadores. Tive a oportunidade de participar de todos eles, nos primeiros anos como um dos organizadores pela arquidiocese de Campo Grande e agora como apoiador.

O Grito sempre se propôs a denunciar a desigualdade social em nosso país, que relega milhões de brasileiros, das cidades e do campo, indígenas e comunidades tradicionais, a condições de pobreza e miséria, impedindo-os de ter acesso aos seus direitos de cidadania e de viver com dignidade. Esta denúncia foi feita durante os governos da direita, da esquerda e, agora, da extrema-direita, e vai continuar até que tenhamos um país mais justo e solidário. Estaremos gritando por um país que promova o desenvolvimento econômico junto com o desenvolvimento social e que preserve o meio ambiente, nossa Casa Comum. Nosso grito é por vida digna para todos os brasileiros e brasileiras, sem exclusões, sem violências, sem discriminações e com liberdade e felicidade partilhada. Um grito das dores do povo que hoje sofre e que quer celebrar o amanhã da paz brotada da justiça. Grito por quem já não consegue mais gritar. Grito do silêncio daqueles que se foram pela pandemia transformada em genocídio por aqueles que brincaram de negar a ciência.

Neste ano, o Grito dos Excluídos, além de denunciar o aumento da pobreza, do custo de vida, do desemprego e da fome, o desrespeito ao meio ambiente, a tragédia da pandemia, vai ser um grito contra o autoritarismo e em favor da democracia, uma vez que esta vem sendo ameaçada pelo chefe da nação e seus apoiadores. Vai ser um movimento de resistência democrática, em defesa da vida, do SUS e por políticas públicas sociais para proteger os mais pobres. Vai ser o Grito da Resistência e da conjugação coletiva nas ruas do verbo esperançar, por aqueles e aquelas que têm coração generoso e coragem de lutar!


segunda-feira, 23 de agosto de 2021

Gustavo Lima tem uma mãe, mas também tem um direito a seu favor.

 

Na foto acima, temos o momento em que Gustavo Lima, cirurgião dentista de 27 anos, vacinava sua mãe contra a covid-19, a professora aposentada Tânia Mara dos Santos Lima, 55 anos, no dia 1º de maio. Momento de felicidade para os dois. Mas, neste dia, não podiam imaginar o que iriam viver três meses depois.

Gustavo é profissional da rede municipal de saúde de Campo Grande, faz residência multiprofissional em saúde da família e, aos finais de semana, faz parte da equipe de vacinação contra covid no drive-thru do Albano Franco. No último dia 21 de agosto, sábado, ele foi vítima de homofobia, quando uma mulher, ainda não identificada, impediu que o mesmo vacinasse sua filha, apontando para ele e dizendo que não queria que a filha fosse imunizada “por esse tipo de gente, um viado”. Foi um momento de grande constrangimento para o dentista, que relatou o ocorrido nas redes sociais. Sua mãe relatou à imprensa sua “dor intensa” ao ver o filho acordar, no dia seguinte ao fato, muito triste, abatido e por ter sido vítima de homofobia ao realizar seu trabalho como profissional da Saúde. Segundo Tânia, o filho já foi alvo de “brincadeiras e piadinhas”, mas sempre conseguiu lidar com a situação, mas, desta vez, o episódio o abalou. Indignada, desabafou: “É um momento muito delicado, nunca passamos por isso, não podemos deixar o crime permanecer. Ela se esqueceu que mexeu com alguém que tem mãe”, afirmando estar atrás das imagens do local que possam identificar o carro da mulher (cf. https://www.campograndenews.com.br).

Este é mais um fato que, lamentavelmente, ocorre todos os dias em nosso país. Embora a sociedade tenha avançado no debate sobre questões de gênero e sexualidade, ainda há muito preconceito, que se traduz em discriminação, com agressões verbais e/ou físicas e, até mesmo, em situações de homicídio. Não podemos mais conviver com isso, se queremos, de fato, construir uma sociedade verdadeiramente democrática, respeitadora e promotora dos direitos fundamentais dos seus cidadãos e cidadãs. O preconceito da mulher que recusou a vacinação da sua filha pelas mãos de um homossexual é social, cultural, mas também pessoal. Nessas situações de violação dos direitos humanos, além do trabalho constante da sociedade de enfrentar o preconceito pela conscientização e pela educação, é absolutamente necessária a punição de todos aqueles que praticam tais crimes, pois eles atentam contra a integridade pessoal e a dignidade inerente a todos os seres humanos. O crime contra Gustavo Lima é um crime praticado contra a humanidade.

É importante lembrar que a homofobia é uma violação do Direito Humano fundamental de liberdade de expressão da singularidade humana, revelando-se um comportamento discriminatório, que afeta pessoas em diversas esferas da vida, prejudica ambientes de trabalho e mata um brasileiro a cada 23 horas. Ela está presente estruturalmente na sociedade, assim como o racismo e o machismo e, por isso, de difícil erradicação, pois requer profundas mudanças comportamentais, atitudinais e de mentalidade.

Embora a Constituição Federal brasileira e a legislação infraconstitucional ainda não citem a homofobia expressamente como crime, em junho de 2019, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela criminalização desta conduta, determinando que passe a ser punida pela Lei de Racismo (7.716/89). Portanto, constitui crime praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito em razão da orientação sexual de qualquer pessoa. A pena pode variar de um a três anos, mais multa, podendo chegar a cinco anos se houver divulgação do ato homofóbico em meios de comunicação, como nas redes sociais.

A homossexualidade não pode ser considerada um desvio, uma doença ou distúrbio mental, como foi vista no passado, ou como uma opção da pessoa, uma vez que constitui uma livre orientação de seres humanos saudáveis, responsáveis e conscientes de seus direitos como cidadãos e cidadãs. A homofobia e a transfobia são comportamentos preconceituosos e imorais, conquanto atentam contra a integridade pessoal, física e moral dos indivíduos.

Enquanto aguardamos a aprovação pelo Congresso Nacional de lei específica de tipificação do crime de homofobia, vamos lembrar que a violação praticada pelo homofóbico está expressa em nossa Constituição, quando no seu Art. 3º diz ser objetivo fundamental da República “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, ou quaisquer outras formas de discriminação”; e no seu Art. 5º, “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”. Sendo assim, é dever da sociedade, incluídos os poderes públicos, zelar pelo cumprimento da nossa Carta Maior e fazer valer a dignidade de todos os brasileiros e brasileiras.  

Gustavo Lima tem uma mãe corajosa e indignada diante da violência sofrida por seu filho em pleno exercício de sua atividade profissional, como cidadão e trabalhador. Mas ele tem também um direito que lhe é inerente e inalienável. Cabe a todos nós respeitar e fazer valer este direito!   


terça-feira, 17 de agosto de 2021

Soraia Mendes: minha candidata ao STF

 

 

Em oposição à candidatura do ex-advogado-geral da União e ex-ministro da Justiça, André Mendonça, para o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) e outras 130 organizações da sociedade civil lançaram a candidatura da advogada e jurista Soraia Mendes, para ocupar a cadeira deixada por Marco Aurélio de Melo. Na verdade, como a própria Soraia afirma, trata-se de uma anticandidatura: “Simples, porque não sou candidata, sou uma anticandidata. É para isso que meu nome, minha história e minha trajetória profissional servem, para honrar a cadeira que hoje se encontra vazia na Corte”, afirma a jurista. 

Há dois anos atrás, o presidente Jair Bolsonaro assumiu o compromisso, durante um culto realizado nas dependências da Câmara Federal, de indicar alguém “terrivelmente evangélico” para o STF, sob o argumento de que o “estado é laico, mas nós somos cristãos”, em mais um afago à sua base de sustentação política. Cumprindo a promessa, o presidente oficializou no último dia 13 de julho o nome de Mendonça, pastor evangélico de uma igreja presbiteriana. Para sentar na cadeira de magistrado, porém, o indicado precisa passar por uma sabatina no Senado Federal, o que ainda não tem data marcada. Parece que o nome do indicado deve enfrentar resistências na Casa e os arroubos autoritários e golpistas do presidente não têm contribuído para uma boa relação com os senadores.

Entidades compostas por juristas deram início a uma campanha contra a indicação de André Mendonça por Bolsonaro. Para o grupo, sua indicação é um retrocesso para a Justiça e para a democracia, pelo fato de o ex-advogado-geral da União ter um explícito alinhamento ideológico com o governo do presidente. Afirma que, durante sua passagem pelo governo de Bolsonaro, Mendonça feriu a Constituição Federal ao subestimar os princípios institucionais para atender as demandas do presidente, utilizando sua crença religiosa como juízo de valor e desprezando o estado laico, além de usar da Lei de Segurança Nacional para perseguir e criminalizar críticos ao governo, ferindo a liberdade de expressão garantida pela Carta Magna de 1988.

Caso o nome de Mendonça seja rejeitado não será um fato inédito. O STF foi criado em 1890, após a Proclamação da República, e nestes 131 anos apenas cinco indicações do presidente foram derrubadas pelos senadores. Todas as rejeições ocorreram em 1894, no governo do marechal Floriano Peixoto. O caso mais emblemático foi o de Cândido Barata Ribeiro, que não tinha formação jurídica, e que amargou a reprovação quando já atuava como ministro do STF. Na época, o escolhido podia assumir as funções antes de o Senado votar a indicação. Após dez meses julgando processos, Barata Ribeiro foi obrigado a deixar o cargo.  

Na atual conjuntura, tudo é possível acontecer, até mesmo de o Senado rejeitar a indicação do presidente e acolher a indicação da sociedade civil. Será? Bem, do ponto de vista da legalidade, não vejo que seria impossível, embora inauguraria um novo modelo. Apesar de não ser uma determinação legal, o Brasil sempre seguiu o ritual da justiça dos Estados Unidos, em que o novo nome vem de uma indicação do presidente da República. A Constituição Federal diz, em seus artigos 84, XIV e 101, Parágrafo Único, que os ministros do STF são nomeados pelo presidente, porém não diz que devem ser por ele indicados, e que devem ser brasileiros natos, com mais de 35 anos e menos de 75 anos e que devem ter notável saber jurídico e reputação ilibada. Pois bem, vejo aqui uma oportunidade para a sociedade exercer diretamente o poder (Constituição Federal, Art. 1º, Parágrafo Único) e indicar um nome com representatividade, idoneidade e competência para o cargo. 

E é neste contexto que surge, de forma democrática, a candidatura da jurista Soraia Mendes, doutora em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília, mestra em Ciência Política pela Federal do Rio Grande do Sul, pós-doutoranda em Teorias Jurídicas Contemporâneas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, pesquisadora nas Ciências Criminais e com passagem como professora no ensino superior. Aos 47 anos, 15 deles como moradora de Brasília, a porto-alegrense poderia ser a 1ª mulher negra nomeada como ministra da mais alta instância do Poder Judiciário brasileiro. Para a jurista, sua nomeação seria “o início do resgate de uma dívida histórica, com os mais pobres, o povo negro e as mulheres.” Diante das ameaças de golpe por Bolsonaro e militares, ela considera que o tempo das pretensões totalitárias ainda não passou e cobra punição aos responsáveis pelas investidas. Afirma que, se nomeada, pretende ser "um dos guardiões da Constituição e, por consequência, de nossa democracia". 

Se for nomeada para o STF, Mendes se tornará a primeira mulher negra a ocupar a Corte, indicada pela sociedade. Na carta que apresentou ao Senado Federal, a advogada se apresenta como defensora dos direitos humanos das mulheres, de quilombolas, de servidoras e servidores públicos, de indígenas, de rádios comunitárias e de pessoas LGBTQIA+, há pelo menos 20 anos. 


sexta-feira, 13 de agosto de 2021

Câmara Federal passa mais uma boiada: aprova uma minirreforma trabalhista


Enquanto o Brasil se distraía com o debate sobre o voto impresso e auditável, mais um factoide produzido pelo governo Bolsonaro para desviar o foco das questões que realmente importam para a vida da nação, a Câmara dos Deputados deixou mais uma vez "a boiada passar" e aprovou uma minirreforma trabalhista, uma vez que o projeto cria novas modalidades de contratações e muda normas da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Inicialmente, o objetivo do governo era apenas prorrogar o programa emergencial de redução de jornada de trabalho e corte de salários de trabalhadores da iniciativa privada, que foi criado por causa da crise da pandemia. Agora, passou a ser um novo projeto, que cria três novos programas trabalhistas e torna permanente o programa de corte de jornada, com novas regras mais flexíveis. São eles:
1. Priore (Programa Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego): Incentiva a contratação de jovens de 18 a 29 anos e de pessoas com mais de 55 anos que estão desempregadas há mais de um ano. O empregado recebe um bônus no salário, mas seu FGTS é menor. 
2. Requip (Regime Especial de Trabalho Incentivado, Qualificação e Inclusão Produtiva): Flexibiliza a contratação de jovens de 18 a 29 anos. Cria modalidade de trabalho, sem carteira assinada e sem direitos trabalhistas e previdenciários. O trabalhador recebe uma bolsa e vale-transporte.
3. Programa Nacional (Prestação de Serviço Social Voluntário): Flexibiliza a contratação de jovens de 18 a 29 anos para trabalhos temporários pelas prefeituras). 

Além desses programas, reduz o pagamento de horas extras para algumas categorias profissionais, como bancários, jornalistas e operadores de telemarketing; aumenta o limite da jornada de trabalho de mineiros; restringe o acesso à Justiça gratuita, em geral, não apenas trabalhista; proíbe juízes de anular pontos de acordos extrajudiciais firmados entre empresas e empregados ; dificulta a fiscalização trabalhista, inclusive para casos de trabalho ao escravo. 

O que essa minirreforma faz agora? No Requip, as pessoas de 18 na 29 anos, ou desempregadas há mais de dois anos, ou beneficiárias dos programas sociais terão um contrato de até 22 horas, deverão se inscrever num curso de qualificação profissional e receberão um "bônus" de R$ 550 (meio salário mínimo) por mês. Os contratos devem ter a duração de 12 meses, podendo ser renovados por mais um ano, com um recesso de trinta dias. No Priore, jovens de 18 a 29 anos com primeiro registro na carteira de trabalho e pessoas com 55 anos ou mais desempregadas há mais de um ano terão uma redução do recolhimento do FGTS de 8% para 2% (microempresas), 4% (médias empresas) e 6% (demais empresas). A remuneração neste contrato não pode passar de dois salários mínimos e a contratação será por dois anos. No terceiro tipo de programa, também voltado para jovens e pessoas acima de 50 anos, permite que as prefeituras possam contratar temporariamente pessoas para serviços e, em troca, pagar uma remuneração que não pode ser inferior ao salário-mínimo hora (R$ 5). 

Integrantes do governo dizem que o objetivo do projeto é estimular a geração de empregos e a entrada de jovens no mercado de trabalho. Mais uma vez, conversa fiada. Assim também afirmavam quando aprovaram a Reforma Trabalhista, a Lei das Terceirizações e a Reforma da Previdência. Resultado: a taxa de desemprego no Brasil não parou de crescer, estando hoje acima de 14% da população, bem como a redução da renda média dos trabalhadores. Aumentou a informalidade, o trabalho intermitente e as terceirizações, inclusive no serviço público. Na prática, o que estão promovendo com estas reformas, desde 2016, é uma brutal supressão dos direitos duramente conquistados pela classe trabalhadora ao longo da história e a consequente precarização das condições de trabalho. 

Um governo e uma Câmara Federal controlados pelo "Centrão", representantes dos interesses dos empresários, industriais e banqueiros, aproveitam o momento das polêmicas provocadas pelo presidente da República e promovem mudanças e flexibilizações na legislação garantidora de direitos, e fazem a festa. Para a classe trabalhadora e para os pobres deste país, aprofundamento das desigualdades sociais e precarização das suas condições de vida e de trabalho. A proposta, para virar lei, deve seguir para a aprovação do Senado. Temos que pressionar os senadores, para que imponham uma derrota neste projeto escravocrata.

Até que ponto vai isso? Só falta agora revogarem a Lei Áurea e restaurarem a escravidão no Brasil. Eles são capazes de tudo, e na maior cara dura, dizendo que estão fazendo o bem ao país.